“Visões do inaudito”, de Juliano Gomes

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A nossa percepção sente a vida como um pacote contínuo: cheiros, imagens, temperaturas, paladares e sons. A arte, entretanto, faz o serviço contrário: bagunça tudo. Mas como? Pela repetição, corpo vai, no cotidiano encontrando padrões e associando um elemento ao outro, tentando organizar a zona. O cheiro da minha rua, a textura da porta, e assim vamos criando teias associativas que vão nos guiando pelo cotidiano para fins de estabilidade e segurança do corpo. Reconheço as coisas pra quando eu voltar dispender menos esforço e me concentrar no que é novo, no que ainda precisa de mapeamento, no que e solicita contornos.

Mas os sentidos não são todos iguais. O tato depende da proximidade para haver contato. Assim como o paladar também. O olfato é um sentido sensorialmente muito intenso, mas um cheiro médio se estabiliza nele com facilidade, é um habilidade pra perceber somente odores que passam de uma certa linha de intensidade. A visão e a audição são os que conseguem, cada uma à sua maneira, suprimir e representar as distâncias. São os sentidos onde as escalas, as configurações de percepção, podem com mais facilidade atingir maior complexidade de sensação, podem criar mundos iminentemente novos. É quase impossível ver ou ouvir somente uma coisa por vez. Visualizar ou escutar é realizar uma composição.

Ver e ouvir nos causam sensações sobre as quais temos maior possibilidade de desdobrar. Podemos dizer que são sentidos mais narrativos, os sentidos pelos quais criamos histórias. A visão e a audição são dimensões absolutamente propícias ao timbre e ao ritmo. São dimensões de sensação que suscitam outros mundos: um ruído de metal arranhando uma superfície nos arrepia, uma imagem de um globo ocular sendo cortado por uma navalha nos evoca um corpo diferente, um corpo sensível, inventado pelas sensações.

Desde a primeiríssima edição, acompanho avidamente a programação do Novas Freqüências. Hoje, posso dizer certamente: a cada vez que saio de casa para uma nova apresentação, já não saio para ouvir nada. O que esse desejo de exploração de mundos pelo audível me ensina é justamente que um som serve para muito mais coisa além de ouvir. Seja no palco, lugar de ser “visto”, atrás de uma pick-up, ou mesmo sem a visão da presença do artista, mergulhar no mundo das audições ainda não ouvidas é se entregar para um outro corpo que vem, que a experiência inventa.

Um som, provavelmente mais do que qualquer outro bloco de sensação, tem um poder de evocar. Uma evocação é um chamar para fora, chamar para que apareça: evocar é uma tradução (codificar e descodificar, codec). A cada ida minha a um evento que compartilha este desejo radical de criar aparições do que ainda se desconhece, eu posso dizer sem medo que saio de casa para ir ao cinema. Quero expor o meu corpo para imagens que ele ainda não conhece, e criar assim uma visada dele mesmo que ele ainda não conhece. Conheci tempestades de graves cor de chumbo, agudos quase inaudíveis em forma de pequenos raios, de mini curto-circuitos. Isso pra não falar dos fantasmas.

Me parece um gênero nas artes de exploração sonora o desejo de fantasmagoria. E o que é um fantasma: uma aparição, uma visão do que não estava lá, do que vem de lugar nenhum, uma percepção pura afinal. O fantasma é quando o corpo projeta pra fora uma forma, que já não se sabe se é percebida ou produzida (afinal, que diferença faz?). E os fantasmas que vejo pelo som tem uma vantagem enorme: eles não precisam falar, nem eu preciso falar deles. Simplesmente aparecem, de onde menos espero.

Esse tipo de figura só aparece pelo sentir, ele é um emaranhado de sentires que não é criado por uma idéia: ele é uma idéia. A exploração sonora é uma fábrica de espectros, de aparições não exclusivamente auditivas. O corpo em experimentação cria sensações sem nome e sem pertencimento, confunde o funcionamento orgânico (se é que ele já realmente existiu). Posso dizer sem metáfora: aqui fecho o meu olho para ver melhor, ver além, ver aquém, contraver. Paisagens, horror, ternura, ira, seres cujo contorno é dado por um sentir que se torna visual e que inventa um outro olho (talvez um olho cortado por uma navalha). O contorno é uma ilusão da visão: o que há no som e na imagem são variações de intensidade, o que divide uma coisa da outra é uma abstração prática. Portanto, em sua dimensão exploratória, o som reensina minha visão a ver, desensina o que ela é para que, sendo outra coisa, ela posso realmente ver.

Existe cinema porque nosso corpo tem defeito. Esse milagroso efeito faz com que, dependendo do ritmo, a visão crie uma imagem, um atraso, um delay, do que não estava lá. Esse atraso, se combinado com um pequeno deslocamento, causa a impressão de movimento contínuo. A visão tem um ritmo, um pulso, uma percussão própria. Seu andamento de base é por volta de dezesseis imagens por segundo para que essa mentira se solidifique continuamente diante de nós. Nossa música. Minha percepção é, “naturalmente”, um pedal de efeito. Somos abençoadas fábricas de fantasmas. Somos máquina, circuitos de feedback, potencialmente cabeados nos lugares errados cujo talento e desejo aponta para apreensão no inaudito. É preciso estar a altura dos nosso defeitos, ver pelo ouvir, ouvir pelo ver – é para isso que estamos aqui.

“Fantasmática Geo Vox”, de Lilian Zaremba

 

 

aaAquela voz aguda não era apropriada para alguém descrita como “dama de ferro”. Suas frequências sonoras não denotavam, segundo o padrão já enraizado, credibilidade. Para o súditos da rainha britânica, este som agudo, um tanto esganiçado, era algo inconcebível. Por este motivo, Margareth Thatcher foi obrigada a treinar sua voz para falar em tom mais grave, entronando voz afirmativa e poderosa, no viés da entonação, moldando-se às inúmeras solicitações de supremacia inauguradas com a civilização. Nesta construção eliminam-se “fragilidades”, alcançando na distorção do real compor fielmente “verdades”… Um objetivo curioso e poucos imaginavam – mas agora os cientistas já sabem – que a voz do homem das cavernas por conta de uma mandíbula pequena com estreita abertura de laringe, soava como um soprano esganiçado, semelhante a voz de Margareth.

As vozes nunca foram inocentes, carregam bem mais que palavras. Através dos séculos, foram sendo moldadas por motivos religiosos, políticos, filosóficos, estéticos, físicos, no resumo, um processo milenar de modelação não apenas da voz mas do homem mesmo. A voz que discursa, a voz letrada, é também a voz limpa, culta, honesta, verdadeira, sem rugas, imaculada espécie de bel canto. Paralelo a esta camisa de força redutora se opõe a escuta por conta de sua interioridade, exigindo presença e verdade contra simulação e representação. Na escuta habitam outras vozes longínquas e próximas como naquela história milenar onde reis distantes se comunicavam através de caixas. Ao abrir, a mensagem ecoava sendo ouvida – embora nada ocupasse esta caixa. Assim, também, plantas falam, como os anéis silenciosos do tronco da árvore contando sua história em música. Bartholomäus Traubeck recentemente traduziu em algoritmos os anéis de uma fatia de tronco de árvore cortado e tocado como disco. Colocado neste “toca-discos” plataforma giratória, escutou sua música em notas de piano.

Vozes parecem inauditas, mas estão todo tempo revelando suas falas para quem se dispõe a observar outras escutas.

Histórias pertencem e se relacionam às vozes oferecidas, entregues.

Anti Vox

Entre as características do som, lembrou Cage em “Silence”, apenas a duração envolve ao mesmo tempo, som e silencio. Naquelas três obras denominadas “Delivered in Voices”, Tunga exercita esta equação entregando formas ampliadas de escuta.

Na primeira escultura, onde logo enxergamos um meteorito, o aparente silencio daqueles átomos, moléculas ou íons reunidos em forma cristalizada canta tridimensionalmente impregnado por ondas eletromagnéticas. Se para tudo existe um inverso, matéria e anti-matéria, estas falas ali – sim, além do poeta, o meteorito fala – podem ser anti-vozes.

Uma voz encobre ou descobre.

Uma voz dá profundidade ao eco silencioso desta fala som vocal do sentido, mesmo que seja outro mundo: um meteorito pode ser fragmento de planeta.

O corpo pode até esquecer o corpo neste falante onde caminhos inversos convivem: Dylan Thomas agora deixa escapar: once it was the colour of saying. Nesta voz do poeta, não apenas um meio para produzir palavras, não apenas o poder da convicção da fala, mas o gosto nas remarcáveis permutas eletromagnéticas junto a este outro eco meteórico, resto de planeta desintegrado.

Phantázein: fantasma ou fantasia

A espada ritualística que é de Jorge mas também de Ogum, brada sua fala inaudita afastando vibrações negativas. Ali, naquela escultura, ondas amplificadas desta planta também captam a voz infantil e herdeira de um tempo que lhe foi tomado, quando retirada deste mundo precocemente. Phantázein: fantasma ou fantasia.

Lobo conduto

Um cristal, também gelo e quartzo como queriam os gregos da antiguidade, são condutores de geometria vibrando em seu tamanho: quanto maior o cristal mais grave a frequência de suas ondas, e inversamente, quanto menor, mais aguda. A sonoridade vibra emanações elétricas, condutoras de mensagens precipitando fortes, suaves, escutam o poeta entregar vozes de lobos.

Embutido naquela última escultura, um microfone evoca Orfeu, encoberto pela argila que um dia o criou. Sendo a cor desta fala transparente, numa lira de mais cordas – lira de Orfeu – cada corda amplia o silencio de alguma outra ainda muda. Nesta geometria de vozes, cargas elétricas estão dispostas em arranjo fônico sussurrando: uma voz acorda outra voz adormecida.

Desencarnados, alguns ouvidos aceitam surpresos sua leviandade, já não temem uivos de lobos, espadas ou vozes partidas, porque estes acordam a lua, e a luz desta acorda o silencio do cristal, do meteoro, das plantas…. a voz acorda outra voz que dorme,

Algumas habitam outros mundos, outras apenas estavam ali quase quietas em sua fala peculiar, palavra e som transformando todo o corpo em uma boca… disse Allen S. Weiss: “apenas quando todo nosso corpo se transforma numa boca é quando verdadeiramente conseguimos falar“. Bocas, vozes, palavras, plantas, cristais entregues, afinal se estabilizam no calor desta fusão ordenada, “Delivered in Voices”.

“Sobre o paradoxal efêmero da materialidade”, de Giuliano Obici

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O quinto festival Novas Frequências apresenta uma instigante viagem pelo campo performático das artes sonoras. As trilhas que delineiam este campo se dão pela experimentação proposta por Pirerre Bastien, Quiet Ensemble, Interspecifics e Marco Scarassatti.

A primeira trilha é conduzida pelo músico francês Pierre Bastien e sua orquestra em miniatura composta de instrumentos tradicionais, motores e objetos, além da projeção de sombras e vídeo. Com a performance intitulada Silent Motors Bastien revela um campo de visões oníricas embalado por uma peculiar delicadeza sonora.

A trilha seguinte é traçada pelos italianos Fabio Di Salvo e Bernardo Vercelli que formam o Quiet Ensemble. Eles nos levam por um caminho de som e luz com a luminescente performance The Enlightenment. Utilizando vários tipos de lâmpadas (tubos de neon, refletores, iluminação de teatro e stroble) para formar um tipo de orquestra elétrico-óptica, o duo explora elementos como estática, luminescência, calor e ruído coordenados a partir do fluxo de energia.

O coletivo Interspecifics, encabeçado pelas mexicanas Leslie Garcia e Paloma Lopez, apresenta o trabalho Non-Human Rhythms. Imbuído de uma espécie de sintetizador orgânico — construído com sensores que monitoram padrões emergentes de organismos como bactérias, plantas e musgos — o Interspecifics dá voz aos microscópicos seres traduzindo a complexa atividade dos organismos vivos em sons.

A última trilha segue pelos processos desenvolvidos pelo brasileiro Marco Scarassatti no disco Novelo Elétrico. Partindo de uma luteria baseada na bricolagem e objetos achados, Scarassatti explora a sonoridade e imagética dos materiais (emblemas sonoros). Seu trabalho situa-se entre a música e as artes visuais, valendo da improvisação e da gravação processada, Marco constrói ambiências em constante mutação, explorando aspectos como gestualidade, corporeidade, timbres e ruídos.

Ao mesmo tempo que essas quatro trilhas apontam direções diferentes no campo da experimentação sonora, elas delineiam elementos comuns, como: a luteria de invenção; aberturas multisensoriais; e, a sonificação de processos, materiais e objetos. Discorrendo um pouco sobre esses elementos, vale descrever que a luteria de invenção consiste no trabalho de criar dispositivos e/ou instrumentos únicos. Muitas vezes, tal prática parte do desvio e/ou subversão do design de instrumentos musicais tradicionais, dialogando com táticas diversas que vão da bricolagem à colagem, do hacking à luteria, do DIY à gambiarra, do objet trouvé às soluções imaginárias das leis que regulam a excessão de um objeto (patafísica). Essas táticas flertam, ora mais ora menos, com precariedade e adaptação de materiais e objetos quotidianos, ao modo de uma luteria guiada pela gambiarra (gambioluteria); subvertendo a utilidade e o funcionamento dos utensílios e aparelhos diversos, seja no plano acústico, elétrico ou digital.

Outro elemento comum consiste no fato de que, apesar dos trabalhos enfatizarem o som, eles não se restringem ao audível. Tomemos como exemplo os emblemas-sonoros de Marco Scarassatti, os quais podem ser pensados como desdobramentos escultóricos. Os dispositivos-eletroeletrônicos DIY do coletivo Interspecifics, por sua vez, evidenciam um tipo de site-specific para organismos vivos. A orquestra elétrico-óptica do Quiet Ensemble também aponta para um espaço imersivo e instalativo. Ou ainda, os dispositivos-cinéticos audiovisuais de Pierre Bastien podem ser definidos como plataforma audiovisual. A partir desses exemplos, se torna evidente que os trabalhos extrapolam o som. O sonoro não é um fim mas um meio. Sendo assim, o som pode ser pensado como abertura para experiências multisensoriais, um canal para explorar estados e sentidos diversos.

No percurso dessa jornada, descobrimos que os trabalhos dão voz e visibilidade às próprias coisas. Dizendo de outra forma, as performances e suas gambioluterias sonificam, ou seja, tornam audível o inaudível das coisas (utensílios, materiais e organismos), como se elas tivessem vida e voz própria. Em síntese, os trabalhos exploram a condição efêmera das coisas, tornando sensível diferentes estados perceptíveis dos objetos, processos, organismos e materiais.

Antes de encerrar, vale lembrar, a todos que embarcam neste festival, que o percurso desta viagem atravessa os campos abstratos do sensível. Um percurso cujo itinerário tem com ponto de partida a luteria inventiva. O som como veículo condutor. Os artistas como guias. E o ponto final o paradoxal estado efêmero da materialidade das coisas.

“Voa Utopia!”, de Oliver Baurhenn

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A 5a edição do CTM – Festival for Adventurous Music and Art ainda se chamava Club Transmediale. Aconteceu no final de Janeiro de 2004, durante um inverno bem frio e abrangeu 9 dias na famosa boate Maria am Ostbahnhof no centro de Berlim. Esse galpão em uma antiga fábrica abandonada era usado para a fabricação de motores para barcos e está localizada em frente a Ostbahnof (principal estação de trem na extinta Berlim Oriental). É um desses lugares estranhos e vazios em que não havia muito, mesmo até hoje.

Embora a quinta edição não tenha sido celebrada como um aniversário, nós notamos um aumento dramático em comparecimento; nós esprememos até 1400 visitantes por vez no Maria, um prédio de concreto sem janela. Três ambientes receberam dois palcos com mais de 160 artistas, e 10 instalações de arte particulares feitas especialmente para ou adaptadas para o festival. Foi também o primeiro ano em que oferecemos uma área de bastidores.

O tema da 5a edição foi Voa Utopia! Citando o comunicado à imprensa: “Sonhos e ilusões têm sido abandonados pela nossa sociedade atual apenas na superfície. No entanto, após o colapso das grandes ideologias do século XX, há de novo um aumento na procura por conceitos que apontam além das restrições do factual e que oferecem visões dos velhos e dos novos potenciais da ação criativa.” A nossa sociedade parecia estranhamente presa na rotina. Utopias haviam desaparecido completamente. Nenhuma idéia política e nenhuma invenção tecnológica nos desafiou, o tempo parecia quieto e funcionando (mecanicamente) bem. A crise financeira parecia longe, globalização estava começando a acelerar e CTM olhava para a Europa Oriental e a sua cena de música experimental desconhecida.

O fim da música de computador foi proclamada ao passo que abordagens mais performáticas tomaram conta da cena de música experimental. O corpo representava o último lugar para expressar Utopias. Assim, o CTM 2004, questionava o papel do corpo e do gênero na música eletrônica. Poderosas performances no palco foram apresentadas por artistas como Chicks on Speed, T.Raumschmiere, e Miss Kittin. Quase 40% dos artistas eram mulheres. Essas experiências acabaram em uma antologia de textos publicada com o título “Gendertronics” (ed. Surhkamp).

Por mais que fôssemos bem-sucedidos em atrair o público, em garantir verba, com a reposta da imprensa internacional e também em receber um número crescente de organizadores de festivais internacionais, nós estávamos apenas começando a perceber o quão o nosso empenho era frágil. Nós começamos o festival em 1999 como uma exploração de sons experimentais dentro da cena eletrônica (boates). Na época, as boates de Berlim apresentavam sonoridades mais inquietantes e desafiadoras do que hoje em dia. A boate era uma espécie de espaço utópico em si, promovendo uma bolha atemporal, um buraco negro para uma grande variedade de experiências, intercâmbio e encontros sociais. A boate estava ali para compartilhar conhecimento, para discutir e para se perder em igualdade social. Status não vinha de dinheiro, roupas ou estrelato. Por isso, não víamos a necessidade de uma área de bastidores até a nossa 5a edição.

A nossa jornada começou como um projeto e hoje continua como um projeto. O nosso empenho em receber um financiamento estável, multi-anual público, nunca veio como fruição, e ainda hoje, perto da nossa 17a edição, nós ainda estamos nos baseando nos subsídios de projetos anuais. Muitos produtores culturais estão convictos de que atividades tornam-se entediantes quando se recebe apoio estável por muitos anos. A busca ou caça por financiamento e patrocínio de projeto pode te manter jovem e bonito como festival, mas prejudica todo o trabalho do evento ano a ano. E quanto à sustentabilidade? Como você apóia uma cena próspera quando você não pode oferecer apoio financeiro aos outros, muito menos a você mesmo?

A 5a edição de um festival é frequentemente uma espécie de compasso que aponta para onde festival pode ir e o quanto do seu espírito utópico você pode manter. Olhando para trás, é também a edição na qual você se pergunta se você quer continuar, ou se você deveria acabar por cima e navegar por novos mares. Eu tenho dois conselhos, os quais eu nunca segui, mas que continuam na minha cabeça: nunca faça algo por mais de 9 anos, porque se torna chato, e 10 anos de auto-exploração no campo cultural são o suficiente como contribuição de uma pessoa para a sociedade. Talvez eu tenha decidido adicionar outro ciclo de 9 e 10 anos, tanto que eu vou continuar até a 19a edição me perguntando a mesma questão – “qual é o melhor momento para parar?”

Como uma criança dos anos 80, eu nunca fui treinado para pensar em sustentabilidade, legado ou legitimidade já que o mundo acabaria em breve por causa da 3a Guerra Mundial nuclear. Divirta-se, faça o que quiser e estará tudo bem, aproveite a vida e faça o bem, respeite o próximo e faça do mundo um lugar melhor mesmo que os outros decidam destruir tudo. Esse espírito Voa Utopia! continua sendo um tema oculto de muitas edições dos festivais CTM, no sentido de que nós ainda batalhamos para mostrar que a música tem coisas importantes a dizer, que o seu contexto de criação diz muito sobre mudança social, antecipa o futuro, e dá espaço para pensamento e reavaliação se você realmente estiver escutando.

Finalmente, 2004 foi o ano no qual CTM conscientemente convidou todos os diretores de festivais que estavam presentes no festival para uma sessão de intercâmbio seguindo o exemplo de muitos projetos colaborativos que estavam sendo apresentados então (SHARE, Htmelles-Festival, etc.). Essa reunião, que juntou um contingente notável de diretores de festivais da Europa Oriental, foi um dos primeiros impulsos da futura rede ICAS. Utopias não podem ser realizadas sozinhas, apenas em colaboração próximas com outras. Uma lição também aprendida na 5a edição. Então Voa Utopia!

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The 5th edition of CTM – Festival for Adventurous Music and Art was still called Club Transmediale. It took place late January 2004, during a very cold winter, and spanned 9 days at the famous Maria am Ostbahnhof club in Berlin’s centre. This old deserted factory shed used to be used for manufacturing motors for boats and is located opposite the Ostbahnof (the former East Berlin main rail station). It’s one of those strange and empty places that did not really change much, even until now.

Even though the fifth edition was not especially celebrated in the anniversary sense, we saw a dramatic increase in attendance; we squeezed up to 1400 visitors at a time into Maria’s windowless concrete building. Three rooms hosted two stages with over 160 artists, and 10 particular art installations made especially for or adapted to the venue. It was also the first year that we offered a backstage area.

The 5th edition topic was Fly Utopia! To quote the press release: ”Dreams and illusions have been abandoned by our present society only on the surface. Rather, after the collapse of the 20th century’s grand ideologies, there is once again an increasing search for concepts that point beyond the restrictions of the factual and that offer visions of the old and the new potentials of creative action.” Our society seemed strangely stuck in a routine. Utopias had completely vanished. No political ideas and no technical inventions challenged us, times seemed quiet and working (mechanically) well. The financial crisis was far away, globalisation was just beginning to accelerate and CTM looked out to Eastern Europe and its undiscovered experimental music scene. The end of laptop music was proclaimed as more performative approaches took over the experimental music scene. The body represented the last place to express Utopias. CTM 2004 thus questioned the role of the body and gender in electronic music. Powerful stage performances were seen by artists such as Chicks on Speed, T.Raumschmiere, or Miss Kittin. Almost 40% of the artists were women. These experiences ended up in an anthology of texts published under the title, “Gendertronics” (ed. Surhkamp).

As much as we were successful in attracting the public, in securing funding, with the international press response and also in hosting an increasing number of international festival organisers, we were only then starting to realise how fragile our endeavour was. We started the festival in 1999 as an exploration of experimental sounds within the electronic (club) scene. At this time Berlin clubs were presenting more disturbing and challenging sounds than nowadays. The club was a sort of utopian space in itself, providing a timeless bubble, a black hole for a great variety of experiences, exchanges and social encounters. The club was there to share knowledge, to discuss and to get lost in social equality. Status didn’t come from money, clothes, or stardom. It’s the reason why we did not see the need for a backstage until our 5th edition.

Our journey started as a project and today we still remain a project. Our endeavour to receive a stable, multi-annual public funding has never come to fruition, and so today, on the threshold to our 17th edition, we are still based on yearly project grants. Many cultural workers are convinced that activities become boring when they receive stable, multi-year support. The quest or hunt for project funding and sponsorships may keep you young and beautiful as a festival, but takes it toll on all that work on the event year to year. And what about sustainability? How do you support a thriving scene when you can’t offer adequate financial support to others, never mind yourself?

A festival’s fifth edition is often a kind of a compass that points to where your festival could go and to how much utopian spirit you can keep. Looking back, it is also the edition where you have to ask yourself if you want to continue, or if you should end on a high note and sail to new shores. I have two pieces of advice, which I never really adhered to but that still turn round and round in my head: never do something for more than 9 years because then it becomes boring, and 10 years of self-exploitation in the realm of culture are enough as one person’s contribution to society. Perhaps I decided to add another cycle of 9 and 10 years, such that we will continue into the 19th edition asking ourselves the same question – “when is the best time to stop?”

As a child of the ’80s, I was never trained to think about sustainability, legacy or legitimacy since the world would soon end due to a nuclear WWIII anyway. Enjoy yourself, do what you want and all will be fine, enjoy life and do good, be respectful and make the world a better place even if others decide to destroy everything. This Fly Utopia! spirit has continued to be an underlying theme of many CTM festival editions, in the sense that we still strive to show that music has important things to say, that its context of creation tells a lot about societal change, anticipates the future, and gives place for thought and re-evaluation if you are truly listening.

Finally, 2004 was the year where CTM consciously invited all festival directors that were present at the festival to an exchange session following the example of many collaborative projects that were being presented then (SHARE, Htmelles-Festival, etc.). This meeting, which gathered a notable contingent of Eastern European Festival directors, was one of the first impulses of the future ICAS-network. Utopias cannot be realised all on your own, but only in close co-operation with others. A lesson learned also from the 5th edition. So Fly Utopia!

“África Bantu Brasileira”, de Kiko Dinucci

clementina

Há no Brasil, predominantemente, a presença de duas etnias africanas na formação da nossa música, os bantus (Angola, Congo, Moçambique, entre outros povos) e os yorubás (Nigeria, Benin). Outros grupos como os fons (gêges) e os malês influenciaram em casos mais isolados e em menor escala. O fio condutor que liga a música dos bantus e yorubas no Brasil é a manifestação religiosa.

Os yorubas, com a sua base religiosa bem consolidada, desaguaram a sua música nos terreiros brasileiros, onde nigerianos de diversas cidades passaram a cultuar suas divindades em um único espaço. Em terras natais esses deuses eram cultuados cada qual em sua própria cidade (com exceção de Exu que é cultuado em todo território nigeriano). No Brasil, esses diversos espaços africanos foram obrigados a se concentrarem nos metros quadrados das senzalas brasileiras. Não só cidades nigerianas se fundiram, bantus e fons também se organizaram nesse mesmo espaço.

Por serem os primeiros africanos em massa a chegarem no Brasil, os bantus foram o grupo étnico que primeiro sofreu com a catequização europeia e perda do culto aos ancestrais. Mais tarde, na Bahia, o contato com os yorubas acabou influenciando os bantus a desenvolverem o Candomblé Angola, que como uma tecla sap, trocava as entidades yorubas por entidades correspondentes bantus, porém, mantendo uma estrutura muito semelhante. Nesse candomblé tocava-se um ritmo chamado Kabula, que se desdobrou no samba de roda, no samba duro e na chula. Posteriormente, esse samba migrou para o Rio de Janeiro e se tornou a base do samba carioca do começo do século XX, concentrada na figura da baiana Hilária Batita de Almeida, a Tia Ciata, que, não por acaso, era também Iyalorixá.

No sudeste, os ritmos bantus se mostraram em diversos formatos, mesmo com influência cristã sincretizada. Ritmos como Congada e Moçambique (Minas, São Paulo e Rio de Janeiro) e o Congo Capixaba passaram a cultuar os ancestrais de uma outra maneira, com ligações estreitas com os santos católicos de origem africana, como São Benedito, Santa Efigênia, São Elisbão, Santo Antônio de Categeró e, sobretudo, com a figura da Nossa Senhora do Rosário (também chamada de Mãe dos Homens Pretos).

Outros ritmos bantus se espalharam pelo sudeste (Jongo, Candombe, Batuque de Umbigada), nordeste (Maracatu, Coco, Tambor de Crioula, Boi Bumbá) e região norte (Carimbó). Mesmo quando em forma de dança profana, traziam alguma menção religiosa, aos santos pretos da igreja católica ou à África de outrora, deixada apenas fisicamente do outro lado da Kalunga.

No século XX, com a presença do rádio, dos ícones do samba carioca e depois dos diversos segmentos da linha evolutiva da canção popular brasileira, a África se mostrou na presença de artistas como Heitor dos Prazeres, Clementina de Jesus, Candeia, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Jorge Ben, Gilberto Gil, João Bosco, Luiz Melodia, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Naná Vasconcelos, Itamar Assumpção, Jards Macalé, entre outros. Todos traziam o âmago de uma expressão sofisticada e complexa, relacionada ao corpo, ao transe, à arte suprema de uma rica cultura vinda do continente/berço da humanidade.

Na música brasileira do século XXI, a influência africana não precisa estar necessariamente ligada à sua fonte genealógica. É possivel assistir no Youtube do Semba angolano tradicional ao Kuduro das ruas de Luanda. Podemos nos maravilhar com as kalimbas do Kasai All Stars ou Konono, ambas do Congo. Desfrutar das guitarras do deserto dos tuaregs do Tinariwen ou do Bombino.

Juçara Marçal e Cadu Tenório parecem trafegar por esses dois mundos, o da África genética brasileira e o da África pós-moderna da internet. A ousadia de revirar os Visungos, o Candombe, o Congado e Reinado mineiro, leva a nossa genética africana rumo ao contemporâneo, ao agora, para quem nunca ouviu falar nesses ritmos tradicionais ou para quem nunca teve contato com a música experimental investigativa.

Anganga nos leva ao Brasil moderno que aceita sua descendência africana diante de um país massacrado diariamente pelo racismo. Mesmo envolto por ruídos e barulhos, Anganga, na nossa atual conjuntura, funciona como uma espécie de contraponto de luz diante do Brasil retrógado que insiste em ainda copiar os modelos da era colonial. Juçara e Cadu nos mostram que o momento é de olhar adiante.

As palestras, as oficinas, o hacklab

 

paulo dos santos

Além dos shows, da mostra de filmes e da festa, a quinta edição do Novas Frequências contará também com uma série de atividades extra-musicais que funcionarão, como na última edição, de apêndice teórico e conceitual do festival. A intenção dessas atividades é chamar o ouvinte para participar e debater, ajudando a fazer compreender tanto o Novas Frequências quanto o momento da música experimental em geral.

Serão quatro palestras de artistas que participarão do festival: os britânicos Kevin Martin (The Bug, King Midas Sound) e Auntie Flo, no dia 4, e Trudat Sound, no dia 5, e os franceses Félicia Atkinson e Pierre Bastien, direto da Maison de France, nos dias 7 e 8 respectivamente.

Serão duas oficinas musicais, uma ministrada por Marco Scarassatti e uma ministrada por Paulo dos Santos, do Uakti. A proposta da “Deriva Sonora”, de Scarassatti, se origina da Teoria da Deriva de Guy Debord, e de estratégias de Soundwalking, uma tentativa de estabelecer outras formas de circulação e fruição na cidade. Nessa oficina, modificações acústicas, a partir de capacetes acústicos especiais, impõem redirecionamentos aos sons gerados pelo processos de urbanização, metropolização e industrialização; graças a uma máscara especial, os ouvidos deslocam sua escuta cotidiana de reconhecimento de ruídos cíclicos para novas ginásticas sonoras inquietantes, para a percepção de novos desdobramentos nos sons nunca ouvidos. A oficina de Paulo dos Santos, diferentemente, será precedida por um bate-papo, a transmissão de um filme curto sobre o Uakti, renomado projeto de experimentação sonora do qual ele faz parte, e consistirá em atividades ligadas ao uso de figuras geométricas como método de composição.

Já o hacklab, conduzido pelo Interspecifics Collective, produzirá música a partir de bactérias da água das praias do Rio, e terá participação de uma série de artistas a serem divulgados, selecionados através de um open call.

A festa

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A festa dessa edição do Novas Frequências vai ter um gosto especial pra quem curte grave. O local, o Antonieta, na Lapa, evoca um clima de mistura e pluralidade que cria o cenário tropical perfeito para uma festa que investiga a África e suas diásporas. Com capacidade para 600 lugares, a casa deve ferver no dia 4 com um lineup bem variado e extremamente reconhecido: The Bug ft. Miss Red (acima), Auntie Flo​ & Esa​, Marginal Men​ + DJ Sydney​, e Pigmalião.

The Bug ft. Miss Red é Jamaica via Brixton: toda a tradição do reggae e do dub através do filtro urbanóide e hooligan inglês, por um dos maiores do mundo quando o assunto é graves e sub-graves. Já a dupla Auntie Flo & Esa mergulha fundo em ritmos latinos e africanos apimentando sua mistura de house e techno. Do Rio, a parceria entre Marginal Men + DJ Sydney atualiza o funk para o século 21. Também carioca, Daniel Lucas, através da alcunha Pigmalião, funde referências regionais e raízes latino-americanas com sons específicos de outras partes do mundo.

Vale mencionar que Kevin Martin, o “The Bug”, também toca no Novas Frequências com o seu trio King Midas Sound, um projeto de eletrônica pesada, psicodelia, lovers rock e hip-hop abstrato.

A mostra de filmes

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Na quinta edição do Novas Frequências, acontecerá, pela primeira vez, uma mostra de filmes. Serão seis longa-metragens, entre documentários, filmes de arte e experimentos imagéticos, a serem apresentados na Audio Rebel, nos dias 1, 2, 3, 4, 7 e 8 de dezembro. Todos tratam, em medidas diferentes, do fenômeno sonoro e de suas implicações, do barulho através dos diversos prismas, métodos, expressões e esferas da cinematografia.

Brazil 84 é parte da série do artista multidisciplinar Phill Niblock (que também tocará no festival, junto com Thomas Ankersmit, no dia 5) The Movement of People Working (acima). São imagens em 16mm que trazem longos takes sem edição, cuidadosamente moldados para comprimir movimentos individuais. As imagens são filmadas em ambientes rurais e urbanos, capturando as pessoas em seus ambientes de trabalho, homens e mulheres usando as mãos e o corpo para uma coreografia de trabalho eterna que parece sintonizada com o universo da música microtonal de Niblock.

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Em Phantom Nebula (acima), Makino Takashi tenta criar um estado de frenesi através da múltipla exposição e da superimposição, e acaba deixando um rastro da ideia de que o caos abstrato existe sempre dentro de um tipo de ordem transcendental. Formado em cinema pela Nihon University of Art, Takashi se muda para Londres para se dedicar ao estudo das técnicas de cinema musical, fotografia e luz. Ele passa a produzir seus filmes depois de retornar ao Japão em 2004, influenciado por Jim O’Rourke, com quem teve contato na mesma época. Desde então, Takashi passou a desafiar a produção cinematográfica tradicional, se utilizando de transfers digitais, edição de taxas de quadros por segundo e sobreposição de camadas visuais e sonoras para o limite da tecnologia digital e do cinema e da música abstratos.

Taking the Dog for a Walk (abaixo) apresenta um mapa da cena musical de improvisação livre na Grã Bretanha, tanto do passado quanto do presente. O documentário alterna sequências musicais extensas a conversações lideradas que gravitam em torno das idiossincrasias da improvisação. Num trabalho escultural de pesquisa em arquivos de filmagem, o documentário analisa a rede de pequenos pontos de encontros e selos que ajudaram a moldar este nicho da cena musical britânica.

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What We Leave Behind é uma peça sonora composta somente por material inédito de fragmentos de som que foram gravados nos sets dos filmes de Jean-Luc Godard, mas que acabaram nunca sendo publicados. A composição de sons, redescoberta por acidente em algum lugar da França, nos mostra um arquivo audiovisual muito real (no sentido de autêntico, sincero) e de certa forma esquecido pelo diretor. Direções de palco, a atmosfera dos sets de gravação, falsos começos, novas tomadas e todos esses detalhes de cada momento que geralmente passam imperceptíveis, mas são, em última instância, o que nós deixamos de legado para a eternidade.

Learning to Listen é um documentário produzido pela Deaf Pictures que cruza as linhas divisórias entre a música experimental e a arte sonora. O filme apresenta uma série de depoimentos de artistas importantes sobre seu trabalho em relação a pensamento e processo criativo ao mesmo tempo em que explora cenas de performance, improvisação, tecnologia e arte sonora. O documentário espera brindar uma nova audiência com informações sobre técnicas de composição experimentais e não-comerciais, ao mesmo tempo que deve apelar à sensibilidade de músicos já praticantes e profissionais intimamente ligados ao ramo.

E Um Ouvido por um Olho, de Lilian Zaremba, dá continuidade ao trabalho acadêmico de Lilian, partindo de uma premissa cageana: a de que, mesmo em silêncio, estamos banhados em música. Os ruídos, os tique-taques, a nossa própria respiração e nossos batimentos cardíacos, tudo isso nos envolve a todo tempo, e musicar é só organizar esses elementos e trazê-los à tona como “música” propriamente dita. Até que ponto a imagem é uma transmissão radiofônica, e até que ponto as impressões visuais são como parte de uma impressão sonora que as englobam? Se a música leva a mapas visuais e os ouvidos podem ver, rugir, ao captarem o grito mudo das imagens, o que é exatamente o cinema, e o que é o rádio?

As questões abordadas em cada um dos filmes dialogam de determinada maneira com o Novas Frequências e sua intenção primeira, bem como com o tema específico dessa edição. Todos eles esperam atravessar esse “ouvinte visual” e causar uma ebulição de imaginários sonoros numa época em que a transmissão de mídia foi massificada, globalizada, praticamente universalizada, em velocidade nauseante, e os hiper-estímulos dissipam a catarse, engolindo a capacidade de experienciar o som (e a imagem sonora) em estado puro.

Sobre “Delivered in Voices”, performance inédita de Tunga

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Nesse Novas Frequências, pela primeira vez em sua carreira, Tunga cria uma instalação (ou, como ele prefere chamar, uma “instauração”) sonora. Escultor, desenhista e performista, dono de um pavilhão inteiro em Inhotim, Tunga praticamente dispensa apresentações: é um dos artistas mais renomados e um dos mais influentes do país, já tendo obras expostas em Nova Iorque e em Paris.

A instauração propriamente dita, Delivered in Voices, é uma composição de múltiplos elementos, aberta para a interação performática – três estruturas de ferro, que chamamos de tripé, circundam uma quarta estrutura de semelhante forma, e para cada uma dessas três estruturas, temos três diferentes artefatos protagonistas: um meteoro, um cristal de rocha, e uma “Espada de São Jorge”.

Para cada tripé, existem alto falantes virados na direção destes diferentes protagonistas. Em um deles, a Espada de São Jorge “ouve” gravações de sessões de exorcismo. Em um outro tripé; o meteoro “ouve” a gravação de Dylan Thomas recitando poemas. No terceiro tripé periférico, o áudio de uma matilha da lobos, uivando em seu habitat selvagem está direcionado através de seus alto falantes, para o cristal de rocha ‘ouvir”. Nos resta o tripé central, composto de um sino de cerâmica pendurado, grande o bastante para que um adulto se acomode, de pé, confortavelmente; de maneira que sua cabeça e parte de seu torso desapareça. Dentro do vaso de cerâmica existem três microfones, cada um capta a voz e joga para o seu tripé periférico correspondente, que propaga o som, criando desta forma, um clima de algaravia na instauração.

Em cada dia da performance, um artista diferente colaborará e complementará a obra de Tunga, de acordo com suas qualidades e intenções específicas, o que torna as apresentações flexíveis, imprevisíveis, até circunstanciais. Nesse papel de “interferir” na apresentação, estarão: Ava Rocha & Eduardo Manso, Barrão, DEDO, Dissonâmbulos, Félicia Atkinson, Lilian Zaremba & Fred Paredes, Lucas Santtana, Luísa Nóbrega, Meteoro, N-1, Thingamajicks & Marcelo Mudou

The Wire – Below the Radar Edição Especial Novas Frequências

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O Novas Frequências assina uma compilação gratuita (para assinantes) com 18 faixas de música brasileira produzidas em 2015 na última edição da revista britânica The Wire. Além de servir como uma introdução para o próprio festival, essa edição especial da “Below the Radar” serve também como bússola para a ebulição cultural (principalmente da cultura de vanguarda) que está sendo fomentada no Brasil.

A compilação inclui sons dos seguintes artistas: Superfície, Marginal Men & Pinguim Pablo, ÀTTØØXXÁ, Juçara Marçal & Cadu Tenório, Bemônio, Chelpa Ferro, Bestiarium, Chinese Cookie Poets & Bill Orcutt, Negro Leo, God Pussy, Thiago Miazzo, M. Takara, Ricardo Dias Gomes, Thingamajicks, MYMK, Psilosamples, Grassmass e Repetentes 2008.