Daniel Limaverde apresenta: Sweet Spot

Especialmente para o Novas Frequências e com o apoio do Red Bull Station em São Paulo, onde, por duas semanas, desenvolveu o trabalho em residência, Daniel Limaverde apresenta um projeto que trabalha a ressignificação dos espaços públicos do Rio de Janeiro através da criação de realidades virtuais sonoras. “Sweet Spot” é uma série de peças de áudio para serem escutadas em lugares específicos. Toda a série é disponibilizada gratuitamente para download e streaming e pode ser ouvida em qualquer smartphone e fones de ouvidos. O ouvinte pode descobrir a quais locais as faixas são associadas por meio de seus respectivos títulos: os nomes das peças são números de coordenadas geográficas de GPS, latitude e longitude, que quando inseridas em um mapa online como o Google Maps revelam o ponto preciso para audição. Cada faixa desenvolve uma construção narrativa relacionada diretamente ao espaço.

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Todas as faixas de “Sweet Spot” estão em áudio binaural – ou áudio 3D -, um método de reprodução que simula espacialização, dando a impressão de que os eventos retratados em cada peça estejam de fato ocorrendo no espaço ao redor do ouvinte, fazendo com que os sons escutados nos fones de ouvido se confundam com os sons do ambiente e vice versa.

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Instruções:
– Você vai precisar de fones de ouvido comuns e um celular com acesso a internet e player de música;
– Baixe os áudios em mp3 para o seu celular (ou faça streaming usando seu 3G/4G) no link: www.daniel-limaverde.com;
– Acesse maps.google.com ou abra o app do Google Maps no celular (não use o Maps para iPhone, apenas o Google Maps!);
– Insira o título do áudio que você vai ouvir na barra de buscas do Google Maps exatamente como este está escrito – essas são as coordenadas em latitude e longitude com traços, números, pontos e vírgula;
– O lugar exato em que você deve ouvir o áudio aparecerá no mapa;
– Coloque seus fones de ouvido, dê play e ouça;

Faixas:

-22.95965106702441, -43.21014803971113
-22.963464, -43.209701
-22.984472, -43.205189
-22.97867153326866, -43.18880196765301
-22.89685471071734, -43.17796179438719
-22.89623868221819, -43.18080356073608
-22.896574, -43.187125

 

(disponíveis para download em 03/12).

 

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Identidade Visual do NF 2016

Segundo Chico Dub, curador e diretor artístico do Novas Frequências: “Nossa inspiração para a identidade visual do festival este ano, para a construção dos nossos mapas utópicos (em prol de uma ‘Nova Ordem Mundial’) são os chamados ‘mapas topográficos’ – principalmente aqueles feitos em impressora 3D. Queríamos uma Pangea idealizada, continentes misturados de forma lúdica e até mesmo países misturados com outros países convivendo lado a lado. A estética da topografia aplicada e impressa em acrílico foi a forma que buscamos para contar essa história.”

A direção de arte desta edição do festival ficou à cargo do estúdio criativo Hardcuore, dirigido pelos designers e diretores de arte Breno Pineschi e Rafael Cazes: “Quando o Chico me procurou há dois meses atrás para fazer esse projeto, a grande inspiração dele era o ‘Utopia’, do Thomas More, livro que completa 500 anos esse ano. E para o projeto, nada mais interessante que recriar uma ‘Pangea 2.0’ que seja não somente o encontro de continentes, mas sim a fusão entre eles. Cada um desses continentes representados são a mistura entre dois mundos (um em baixo maior e outro em cima menor), criando assim formas originais e inesperadas do encontro entre a África e a Asia, por exemplo. Cada um desses ‘Novos Continentes’ simbolizam também os lugares dos eventos (Oi Futuro Ipanema, Fosfobox, Leão Etíope do Méier, etc.), continentes culturais que juntos formam essa utopia que é o Novas Frequências, um festival com artistas de diversos lugares do mundo e que faz parte de uma rede de festivais que trabalham em cooperação e colaboração, como uma Pangea unida”, diz Breno Pineschi.

Para completar, o diretor de arte fala sobre a referência visual que utilizou como ponto de partida para as peças gráficas: “Sobre o jeito de representar esses continentes, a gente se inspirou em plantas de topografia, que são extremamente comuns a essa estética. Qualquer profissional da arquitetura que fez faculdade deve ter construído pelo menos uma dúzia dessas plantas. Elas se encaixam como uma luva no projeto.”

Mais sobre o trabalho da Hardcuore em: www.harcuore.com

O experimental, o Brasil: solista e coro por Gabriel Albuquerque

Lançadas neste ano, as coletâneas America Latina, Entre Ruídos y Ruínas (69 faixas de diferentes artistas selecionadas pelo blog Dissonance From Hell) e Feminoise Latinoamerica (organizada pelo selo Sisters Triangla com 60 artistas sonoras femininas) me incutem a pergunta: até que ponto podemos pensar numa música experimental latina? E, considerando também as compilações Hy Brazil, Sabá Compilation, entre outras, qual o lugar do Brasil neste contexto?

O ponto de partida, acredito, é refletir sobre o experimental não como “A Música Experimental”, um gênero estilístico, fixo e cristalizado. Mas sim como uma prática que está no limiar da tradição e da invenção, constantemente recombinando elementos e inventando possibilidades outras. Dessa forma, a música experimental brasileira contemporânea não se trata exatamente de uma “cena”. Ao contrário, é um agenciamento coletivo, uma constelação de propostas estéticas, poéticas e políticas diversas.

A multiplicidade da produção atual é potencializada pela expansão dos muitos selos de noise, livre improvisação e das diferentes vertentes de música eletrônica – Seminal, Quintavant, Estranhas Ocupações, Domina, Beatwise, Sê-lo, Dama da Noite, Nada Nada, SuburbanaCo, Propósito, Meia-Vida etc. São artistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Rio Grade do Sul que estão lançando seus álbuns, organizando apresentações, exposições e debates, muitas vezes longe do dinheiro e da cultura oficial. Na abertura da segunda edição do Festival Internacional de Música Experimental (FIME), em São Paulo, Natacha Maurer, artista sonora e produtora do evento, destacava a importância destas movimentações como essencial para a existência do festival.

Mas apesar de toda a sua amplitude e complexidade, as análises sobre a arte sonora nacional quase sempre se fecham na região Sudeste. No livro O Que Faço é Música (2013), Vivian Caccuri propõe mapear artistas visuais brasileiros que trabalham com o sonoro, dos anos 1970 até o momento. Mas encerra-se no eixo Rio-São Paulo, sem citar o trabalho de Paulo Bruscky, Falves Silva, Jota Medeiros ou Unhandeijara Lisboa. Em Onde nasce a música moderna?, extensa reportagem publicada no site da Bravo!, há uma seleção de sons brasileiros que, com exceção do trabalho Henrique Iwao, restringe-se igualmente ao RJ e SP. E isso tudo, respectivamente, é construído sobre a ótica da “desterritorialização” e de uma busca por “inovação”, a perseguição do lugar do qual se originam as “novidades”, o “futuro” – asserções de mentalidade quase mercadológica, como se definindo um estilo de música.

Como todo festival, o Novas Frequências funciona como um painel, um panorama, o que pressupõe um recorte de uma conjuntura maior. Mas a sua programação carrega uma pluralidade significativa. A sensação de que o Brasil, como dizia Paulinho da Viola, não é só isso que se vê – é um pouco mais.

E aí estão trabalhos como o Projeto Mujique, de Fabiano Scodeler, e Zuuum, de Bruno Abdala, compondo diálogos entre tradição e a vanguarda, criando um caminho próprio que reprocessa desde as congadas e a música popular de matriz africana ao techno. As permanências, as memórias, o nascido árido. Soma-se o Moto Perpétuo, de Luísa Puterman, sobre o êxodo, paisagens sonoras, deslocamentos, a sensibilidade em trânsito. O espaço Dissonantes e a sua permanente discussão sobre a visibilidade das mulheres no palco e a inclusão e criação de um espaço seguro para elas no público. A potência catártica e intuitiva do Rakta. Os enfrentamentos políticos que Tantão carrega em si.

Em texto publicado na revista linda, o artista sonoro Sérgio Abdalla observa que a “música de invenção tem a ver com inventar o mundo em volta da música”. A questão não é a música, não é a boa arte, não é ser o disseminador da música moderna, mas sim transformar a vida. Este é o desafio do Novas Frequências e de todos os festivais. Para o Brasil, o início é derrubar os solistas e amplificar o coro, sem regente, mesmo que desafinado. Proliferar as singularidades em meio ao todo.

Dekmantel, Dissonantes e a violência do silêncio das mulheres na música experimental por Amanda Cavalcanti

O anúncio da primeira edição brasileira do festival holandês Dekmantel em 2017 foi boa notícia para os fãs de música eletrônica: com a instabilidade e genericidade de outros festivais do gênero, um evento que traga artistas de uma vertente mais aventurada da dance music é um prato cheio. Mas a divulgação da primeira metade do line up instigou uma discussão mais profunda e extensa no evento do festival no Facebook, que se centralizou numa questão levantada pela produtora paulistana Érica Alves: onde estavam as mulheres brasileiras no line up?

Das dezenove atrações inicialmente divulgadas pelo Dekmantel, quatro são mulheres. Uma sul-americana. Nenhuma brasileira. Os comentários no tópico de Érica seguiram diferentes lógicas para tentar justificar o injustificável desequilíbrio do line up, mas o que mais me chamou atenção foi um parecer bizarramente recorrente: “mas o festival é pra curtir a música, não para protestar”.

Não é preciso explicar porque tal declaração contradiz toda a história da dance music. Desde seu surgimento, a música eletrônica foi elemento fundamental de formação identitária e organização política de grupos negros e LGBT nos Estados Unidos e Europa, em diversos momentos — a música disco de Nova York nos anos 90 e o techno de Detroit nos 80, por exemplo. O mesmo não aconteceu, no entanto, com as mulheres enquanto classe.

O resultado é previsível. Não só no Dekmantel: o Sónar, por exemplo, autoproclamado entusiasta da “música avançada”, em edição reduzida no ano passado escalou apenas uma mulher (a chilena Valesuchi). Mulheres foram e são sistematicamente excluídas de espaços que envolvem música eletrônica ou experimental. Esse desconforto, portanto, passa longe de ser só da Érica, ou só meu — é uma situação experimentada por todas as mulheres que fazem parte desses nichos de alguma forma.

Lembro-me de, numa conversa com a produtora e improvisadora Natacha Maurer, ouvir que ela e a compositora Renata Roman tinham o costume de contar quantas mulheres estavam assistindo e quantas estavam se apresentando em eventos de música experimental. O incômodo as levou a criar o Dissonantes, ciclo mensal de apresentações protagonizadas por mulheres que elas estendem ao Novas Frequências.

O projeto é mais um dos muitos que surgiram nos últimos anos e que tocam na mesma questão, como o ciclo internacional de compositoras Sonora, a mostra de improviso de mulheres XX e o workshop de inclusão feminina na música eletrônica Synth Gênero. As iniciativas realçam a importância das mulheres estarem, também, por trás das cenas. Festivais como o Novas Frequências e o Festival Internacional de Música Experimental, que contam com produção e/ou curadoria femininas, mostram um equilíbrio bem maior que os grandes Sónar e Dekmantel. A mudança, com o perdão do clichê, vem de nós para nós.

No livro A Garota da Banda, a ex-baixista do Sonic Youth Kim Gordon comenta que, enquanto aos homens (os transgressores) é atribuído o papel de pensar fora da caixa e de inovar, às mulheres (as cuidadoras) resta o de zelar pelo mundo como ele é. Portanto, a arte, inerentemente transgressora, não é “coisa de mulher”. Esse dogma se multiplica quando a forma de arte em cheque é a música dita de vanguarda: além do fator artístico, a música eletrônica engloba também o fator tecnológico — duas ferramentas encaradas como tipicamente masculinas.

A dificuldade histórica de inserção das mulheres nesse contexto não impede, obviamente, que a produção feminina de sons de vanguarda seja extensa. Pensando no Brasil de Chiquinha Gonzaga e Jocy de Oliveira, desde o fim do século passado as mulheres vêm trabalhando em expandir a pesquisa sonora experimental. A presença da classe feminina nessas manifestações artísticas não é importante apenas como questão política, mas também pela inserção de subjetividades, olhares, afetos e outros modos de se pensar, fazer e ouvir.

Na k7 cantar sobre os ossos, a artista sonora carioca bella se inspira no mito da Mulher Lobo da poeta Clarissa Pinkola Estés para empilhar 23 faixas de artistas femininas e cantar sobre elas; Carla Boregas e Ana Tokutake, no álbum Travessias do projeto Fronte Violeta, sampleiam um discurso da co-fundadora do movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva. As vozes femininas se multiplicam nesses trabalhos. Não é uma questão de essencializar ou instrumentalizar o que seria um “olhar feminino” ou “abordagem feminina” na composição, e sim pensar linhas de fuga para a hegemonia do masculino, branco e Europeu da música de vanguarda (e da música em geral).

Mas se voltarmos nossos olhos para os festivais, os eventos e a (escassa) cobertura da mídia (mesmo independente e alternativa), os trabalhos dessas mulheres ainda passam despercebidos, esmagados por uma maioria masculina. A questão da presença feminina na música experimental é, também, uma questão historiográfica. As mulheres estão aqui, mas ninguém está contando suas histórias.

Com essa questão em mente eu criei o blog filhas do fogo, uma singela tentativa de buscar ouvir o que essas mulheres têm a dizer sobre suas memórias e seus trabalhos. Por forma de entrevistas e perfis, tento documentar a produção musical experimental feminina em São Paulo. É a forma que encontrei de ajudar essas mulheres a romper com um silêncio de décadas de exclusão.

Em seu álbum III, o Rakta fala de uma “Violência do Silêncio”. A autora e ativista feminista Adrienne Rich escreveu, num exercício metalinguístico do livro de poemas Arts of the Possible: Essays and Conversations, sobre as primeiras questões que devemos perguntar quando lemos um poema: “Que voz está quebrando o silêncio? E que silêncio está sendo quebrado?” Pretendo indagar o mesmo quando estiver assistindo às apresentações femininas no Novas Frequências.

Transemergências Sonoras por Eduardo Pininga

 

Um dos maiores e mais violentos legados da colonização, seja em qualquer parte do mundo antigo ou moderno, é a desfamiliarização da língua materna entre os descendentes dos povos que ali se encontravam. Como o nosso português demonstra, a erradicação das línguas indígenas não chega a acontecer por completo, mas eventualmente elas acabam se tornando apenas um ruído do passado. Mas DJs, produtores e selos espalhados por todo o globo tem resgatado esses ruídos para criar novas semânticas e vocabulários para compreender, ou até mesmo escapar, da máquina capitalista e corporativista na qual a sociedade ocidental se transformou. E nenhum outro produtor ou produtora faz isso melhor do que a americana Elysia Crampton.

Drama, efeitos sonoros extraídos de blockbusters, ativismo transgênero, e temas latinos como reggaeton, baile funk e cumbia são os pilares de suas produções, que muitas vezes fogem à clássica forma da música club ou comercial para pintar um poema sonoro composto, na maioria das vezes, por mais sombras do que luz e cores. Erudito e popular, físico e espiritual, novo e velho se fundem e se transformam ao ritmo da própria Elysia, que durante sua jornada musical já assumiu diferentes personas como E+E e/ou DJ Hocelote.

No entanto, tais artifícios e emergências não são exclusivas dela, já que se encontram dentro de um grande movimento global que também reivindica essas novas composições electro-quixotescas como política e expressão de ser diante deste novo mundo fraturado e hipertecnológico: na Europa e em festas como a Janus (Berlim), Arca e Lotic sonorizam a experiência da vida como trauma; a fusão dos tambores orgânicos do candombe aos sintéticos pads de Lechuga Zafiro e Pobvio na Salviatek (Montevidéu); a redescoberta da identidade mexicana pelos N.A.A.F.I.; o refúgio negro e latino nos ballrooms da Qween Beat, e a agressividade expressiva dos membros da KUNQ, em NY.

Independente da distância geográfica ou social que separam esses artistas, a principal força que os une é a constante abertura à colaborações. Novas possibilidades de relacionamentos humanos são construídas lado a lado com uma crítica dura de como a tecnologia pode influenciar a nossa percepção de tempo e espaço. Criada por Chino Amobi, Nkisi e Angel-Ho, a NON Records não apenas questiona esse novo lugar de interação, como também vem criar uma hiper-nação. Todos os seus cidadãos, em geral africanos e/ou da diáspora, tem voz e abertura para falar, criar, reconstruir. Em seus projetos ambiciosos, lojas de duty free são transformadas em espaços de escuta e resistência, o aeroporto como o ponto interseccional entre todos esses povos.

Assegurar um espaço onde todas essas vozes possam soar livremente é um dos maiores desafios da cena. Ignorados pelo circuito mainstream de clubes e festivais por serem muito estranhos, ou muito popular, o que sobra são as sombras e lugares de resistência. Bares queers e punks, galpões abandonados, centros comunitários, ocupações ou até a própria rua. Os artistas criam novas direções e possibilidades para que pessoas, cidades e sons percebam-se como potências transformadoras de seu próprio destino.

Apesar dessa sonoridade ainda ser pouco explorada no Brasil, a atual corrente de pensamento “kuir” oferece similar carga política e descolonizadora não só para a música, mas para todas as artes performáticas. Talvez os maiores expoentes da cena, artistas como Monstra Erratik e Solange, tô aberta!, trazem em suas músicas, textos e performances, a reconstrução e reapropriação da teoria queer norte-americana para a realidade da bixa latino-americana. A bixa pão-com-ovo, afetada, hiperfeminilizada, negra, indígena, favelada, nordestina, que aqui ressurge da marginalidade para ser o maior símbolo de resistência e sobrevivência, a última fronteira desse caldeirão de identidades nem tão pacífico como se acredita que é o Brasil. São ruídos de vivências e descendências que sofrem para existir todos os dias. Ruídos que, ao final, sempre existirão para assombrar e se posicionar como a única língua possível.