O quinto festival Novas Frequências apresenta uma instigante viagem pelo campo performático das artes sonoras. As trilhas que delineiam este campo se dão pela experimentação proposta por Pirerre Bastien, Quiet Ensemble, Interspecifics e Marco Scarassatti.
A primeira trilha é conduzida pelo músico francês Pierre Bastien e sua orquestra em miniatura composta de instrumentos tradicionais, motores e objetos, além da projeção de sombras e vídeo. Com a performance intitulada Silent Motors Bastien revela um campo de visões oníricas embalado por uma peculiar delicadeza sonora.
A trilha seguinte é traçada pelos italianos Fabio Di Salvo e Bernardo Vercelli que formam o Quiet Ensemble. Eles nos levam por um caminho de som e luz com a luminescente performance The Enlightenment. Utilizando vários tipos de lâmpadas (tubos de neon, refletores, iluminação de teatro e stroble) para formar um tipo de orquestra elétrico-óptica, o duo explora elementos como estática, luminescência, calor e ruído coordenados a partir do fluxo de energia.
O coletivo Interspecifics, encabeçado pelas mexicanas Leslie Garcia e Paloma Lopez, apresenta o trabalho Non-Human Rhythms. Imbuído de uma espécie de sintetizador orgânico — construído com sensores que monitoram padrões emergentes de organismos como bactérias, plantas e musgos — o Interspecifics dá voz aos microscópicos seres traduzindo a complexa atividade dos organismos vivos em sons.
A última trilha segue pelos processos desenvolvidos pelo brasileiro Marco Scarassatti no disco Novelo Elétrico. Partindo de uma luteria baseada na bricolagem e objetos achados, Scarassatti explora a sonoridade e imagética dos materiais (emblemas sonoros). Seu trabalho situa-se entre a música e as artes visuais, valendo da improvisação e da gravação processada, Marco constrói ambiências em constante mutação, explorando aspectos como gestualidade, corporeidade, timbres e ruídos.
Ao mesmo tempo que essas quatro trilhas apontam direções diferentes no campo da experimentação sonora, elas delineiam elementos comuns, como: a luteria de invenção; aberturas multisensoriais; e, a sonificação de processos, materiais e objetos. Discorrendo um pouco sobre esses elementos, vale descrever que a luteria de invenção consiste no trabalho de criar dispositivos e/ou instrumentos únicos. Muitas vezes, tal prática parte do desvio e/ou subversão do design de instrumentos musicais tradicionais, dialogando com táticas diversas que vão da bricolagem à colagem, do hacking à luteria, do DIY à gambiarra, do objet trouvé às soluções imaginárias das leis que regulam a excessão de um objeto (patafísica). Essas táticas flertam, ora mais ora menos, com precariedade e adaptação de materiais e objetos quotidianos, ao modo de uma luteria guiada pela gambiarra (gambioluteria); subvertendo a utilidade e o funcionamento dos utensílios e aparelhos diversos, seja no plano acústico, elétrico ou digital.
Outro elemento comum consiste no fato de que, apesar dos trabalhos enfatizarem o som, eles não se restringem ao audível. Tomemos como exemplo os emblemas-sonoros de Marco Scarassatti, os quais podem ser pensados como desdobramentos escultóricos. Os dispositivos-eletroeletrônicos DIY do coletivo Interspecifics, por sua vez, evidenciam um tipo de site-specific para organismos vivos. A orquestra elétrico-óptica do Quiet Ensemble também aponta para um espaço imersivo e instalativo. Ou ainda, os dispositivos-cinéticos audiovisuais de Pierre Bastien podem ser definidos como plataforma audiovisual. A partir desses exemplos, se torna evidente que os trabalhos extrapolam o som. O sonoro não é um fim mas um meio. Sendo assim, o som pode ser pensado como abertura para experiências multisensoriais, um canal para explorar estados e sentidos diversos.
No percurso dessa jornada, descobrimos que os trabalhos dão voz e visibilidade às próprias coisas. Dizendo de outra forma, as performances e suas gambioluterias sonificam, ou seja, tornam audível o inaudível das coisas (utensílios, materiais e organismos), como se elas tivessem vida e voz própria. Em síntese, os trabalhos exploram a condição efêmera das coisas, tornando sensível diferentes estados perceptíveis dos objetos, processos, organismos e materiais.
Antes de encerrar, vale lembrar, a todos que embarcam neste festival, que o percurso desta viagem atravessa os campos abstratos do sensível. Um percurso cujo itinerário tem com ponto de partida a luteria inventiva. O som como veículo condutor. Os artistas como guias. E o ponto final o paradoxal estado efêmero da materialidade das coisas.