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“Recapping”, de Ramon R. Duarte

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O renascimento de uma cena musical forte, que até então parecia apática e sem voz, assim como o estímulo, ainda que introvertido, do interesse popular nos artistas e bandas apresentados, até finalmente provocar uma verdadeira reforma nas formas de se abordar a produção de um festival (com debates, oficinas, residências artísticas…). Em sua breve história, o que o Novas Frequências acabou criando foi uma ágil e inédita relação entre espectador e artista, um vínculo que, anteriormente, se resumia apenas ao simplório dueto espetáculo e entretenimento. O festival se diferenciou (e se diferencia) justamente nesse aspecto, de estabelecer como traço pessoal um compromisso que praticamente não existe nos principais festivais do país, o de comprometimento com a música sendo um ato de gentileza medular, o que ela significa para o ouvinte, na experiência de apreciá-la das mais diferentes formas possíveis, do interesse em retirar algo de importante daquele momento, do instante de interação, na experiência pré, durante e pós-show, propondo ao espectador todas as alternativas (instrutivas, interativas…) e descobrindo no contato, no aprendizado, no estudo com a música, um exercício quase que cirúrgico da arte, sem jamais deixar de lado o seu enfoque sensorial e básico.

Cinco anos atrás, quando o Novas Frequências ainda dava os primeiros passos, o cenário era completamente distinto e sem perspectiva, não era sequer possível imaginar que aconteceria algo semelhante ao que vemos hoje. Ao menos não no seu aspecto midiático, esse que gradativamente tem se tornado menos negligente e mais participativo. O que ocorre hoje, felizmente, é o quase completo oposto; óbvio, ainda existe muito a percorrer, muito a ser construído, e isso já é visível em função da inteligência, da força e estratégia de divulgação que festivais como esse se propõem a fazer, na preocupação de entregar uma experiência diferente, principalmente dedicada àqueles que buscam na música uma reposta além do visível, e não meramente uma relação material entre objeto e indivíduo. O festival surgiu para ratificar um rito de passagem, porque foi um marco evolutivo do impacto cultural que o sucedeu, com o surgimento desse novo movimento estético, que vem se revelando como uma mudança chave, algo que resultou na agradável expectativa que hoje é latente na cena experimental da música brasileira – e que não parecia possível até pouco tempo.

O festival, desde o princípio, se empenhou em manter um roteiro aprimorado, condizente com sua proposta de abordar, unicamente, a música de vanguarda. No entanto, também é notório sua procura em expandir gradativamente os seus segmentos e oportunidades; até agora, na 5ª edição, o Novas Frequências ainda vive em pleno processo de aperfeiçoamento, ampliando ano após ano as suas áreas de instalação, seguindo sempre diligente, acima de tudo, com o diálogo e desenvolvimento da música experimental contemporânea. Se hoje a existência de uma cena musical brasileira, voltada exclusivamente para a música de vanguarda, é algo perfeitamente fácil de identificar no meio de tantos artistas e bandas viúvas de uma MPB já putrificada, isso sem sombra de dúvidas é reflexo direto do esforço e iniciativa de festivais como o Novas Frequências, no seu compromisso e investimento pela música além do pequeno aspecto distrativo, entorpecente, da atribuição fria. Colecionando ganhos que não se limitam apenas aos contornos do nosso país, podemos certamente celebrar, nesse produtivo caminho de cinco edições, a consolidação do que é possível classificar como uma Vanguarda Carioca, tão produtiva e engenhosa quanto a dos vizinhos paulistas, resultado único de uma ótica que já começa a ampliar os seus horizontes.

Mas e agora, o que esperar do futuro? O que imaginar de um Novas Frequências depois de 5 anos de existência? Uma coisa é certa, a expectativa não é mais tão fantasiosa quanto parecia ser, não no momento em que se encontra o festival, que já almeja um reconhecimento e evolução que ocorrem naturalmente. Antes de qualquer coisa, é curioso notar como a história, não só do Novas Frequências, mas dos festivais como um todo, se entrelaça à do mercado fonográfico, com seus métodos e imposições. Da mesma forma que os artistas devem fazer, o festival se relaciona empaticamente com esse incômodo que se deve enfrentar durante o processo de criação de um novo trabalho vanguardista – esse caminho é sempre complicado, porque envolve a abertura de portas que se encontram fechadas (seladas, para melhor dizer), e exige planejamento, prudência, na hora de ponderar se serão aceitos ou não os anseios do mercado.

Por mais que alguns festivais sobrevivam de nichos, eles também acabam sofrendo do mesmo impacto que ocorre no circuito popular, a exemplo de bandas que tentam se adaptar às mudanças de sua época. Por isso o discernimento é algo tão crucial nesse percurso, pois lida diretamente com a noção de magnitude que um festival constrói ao longo do tempo, buscando alternativas que vão desde o mercado à elevação artística. O Novas Frequências tem sido um caso à parte por identificar essa mutação com extrema cautela, assumindo uma amplitude que mantém sua identidade perfeitamente inalterável, ciente da própria abordagem e objetivos; enquanto, ao mesmo tempo, busca não transformar isso numa prática estranha e de difícil acesso. É justamente nessa visão respeitosa de engrandecimento, na devastação de um período anêmico da nossa música recente que o Novas Frequências surge iluminando um futuro na melhor das possibilidades, ao mesmo tempo em que já apresenta os meios para a transformação e crescimento do mercado de eventos no Brasil.