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O experimental, o Brasil: solista e coro por Gabriel Albuquerque

Lançadas neste ano, as coletâneas America Latina, Entre Ruídos y Ruínas (69 faixas de diferentes artistas selecionadas pelo blog Dissonance From Hell) e Feminoise Latinoamerica (organizada pelo selo Sisters Triangla com 60 artistas sonoras femininas) me incutem a pergunta: até que ponto podemos pensar numa música experimental latina? E, considerando também as compilações Hy Brazil, Sabá Compilation, entre outras, qual o lugar do Brasil neste contexto?

O ponto de partida, acredito, é refletir sobre o experimental não como “A Música Experimental”, um gênero estilístico, fixo e cristalizado. Mas sim como uma prática que está no limiar da tradição e da invenção, constantemente recombinando elementos e inventando possibilidades outras. Dessa forma, a música experimental brasileira contemporânea não se trata exatamente de uma “cena”. Ao contrário, é um agenciamento coletivo, uma constelação de propostas estéticas, poéticas e políticas diversas.

A multiplicidade da produção atual é potencializada pela expansão dos muitos selos de noise, livre improvisação e das diferentes vertentes de música eletrônica – Seminal, Quintavant, Estranhas Ocupações, Domina, Beatwise, Sê-lo, Dama da Noite, Nada Nada, SuburbanaCo, Propósito, Meia-Vida etc. São artistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Rio Grade do Sul que estão lançando seus álbuns, organizando apresentações, exposições e debates, muitas vezes longe do dinheiro e da cultura oficial. Na abertura da segunda edição do Festival Internacional de Música Experimental (FIME), em São Paulo, Natacha Maurer, artista sonora e produtora do evento, destacava a importância destas movimentações como essencial para a existência do festival.

Mas apesar de toda a sua amplitude e complexidade, as análises sobre a arte sonora nacional quase sempre se fecham na região Sudeste. No livro O Que Faço é Música (2013), Vivian Caccuri propõe mapear artistas visuais brasileiros que trabalham com o sonoro, dos anos 1970 até o momento. Mas encerra-se no eixo Rio-São Paulo, sem citar o trabalho de Paulo Bruscky, Falves Silva, Jota Medeiros ou Unhandeijara Lisboa. Em Onde nasce a música moderna?, extensa reportagem publicada no site da Bravo!, há uma seleção de sons brasileiros que, com exceção do trabalho Henrique Iwao, restringe-se igualmente ao RJ e SP. E isso tudo, respectivamente, é construído sobre a ótica da “desterritorialização” e de uma busca por “inovação”, a perseguição do lugar do qual se originam as “novidades”, o “futuro” – asserções de mentalidade quase mercadológica, como se definindo um estilo de música.

Como todo festival, o Novas Frequências funciona como um painel, um panorama, o que pressupõe um recorte de uma conjuntura maior. Mas a sua programação carrega uma pluralidade significativa. A sensação de que o Brasil, como dizia Paulinho da Viola, não é só isso que se vê – é um pouco mais.

E aí estão trabalhos como o Projeto Mujique, de Fabiano Scodeler, e Zuuum, de Bruno Abdala, compondo diálogos entre tradição e a vanguarda, criando um caminho próprio que reprocessa desde as congadas e a música popular de matriz africana ao techno. As permanências, as memórias, o nascido árido. Soma-se o Moto Perpétuo, de Luísa Puterman, sobre o êxodo, paisagens sonoras, deslocamentos, a sensibilidade em trânsito. O espaço Dissonantes e a sua permanente discussão sobre a visibilidade das mulheres no palco e a inclusão e criação de um espaço seguro para elas no público. A potência catártica e intuitiva do Rakta. Os enfrentamentos políticos que Tantão carrega em si.

Em texto publicado na revista linda, o artista sonoro Sérgio Abdalla observa que a “música de invenção tem a ver com inventar o mundo em volta da música”. A questão não é a música, não é a boa arte, não é ser o disseminador da música moderna, mas sim transformar a vida. Este é o desafio do Novas Frequências e de todos os festivais. Para o Brasil, o início é derrubar os solistas e amplificar o coro, sem regente, mesmo que desafinado. Proliferar as singularidades em meio ao todo.