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“Fantasmática Geo Vox”, de Lilian Zaremba

 

 

aaAquela voz aguda não era apropriada para alguém descrita como “dama de ferro”. Suas frequências sonoras não denotavam, segundo o padrão já enraizado, credibilidade. Para o súditos da rainha britânica, este som agudo, um tanto esganiçado, era algo inconcebível. Por este motivo, Margareth Thatcher foi obrigada a treinar sua voz para falar em tom mais grave, entronando voz afirmativa e poderosa, no viés da entonação, moldando-se às inúmeras solicitações de supremacia inauguradas com a civilização. Nesta construção eliminam-se “fragilidades”, alcançando na distorção do real compor fielmente “verdades”… Um objetivo curioso e poucos imaginavam – mas agora os cientistas já sabem – que a voz do homem das cavernas por conta de uma mandíbula pequena com estreita abertura de laringe, soava como um soprano esganiçado, semelhante a voz de Margareth.

As vozes nunca foram inocentes, carregam bem mais que palavras. Através dos séculos, foram sendo moldadas por motivos religiosos, políticos, filosóficos, estéticos, físicos, no resumo, um processo milenar de modelação não apenas da voz mas do homem mesmo. A voz que discursa, a voz letrada, é também a voz limpa, culta, honesta, verdadeira, sem rugas, imaculada espécie de bel canto. Paralelo a esta camisa de força redutora se opõe a escuta por conta de sua interioridade, exigindo presença e verdade contra simulação e representação. Na escuta habitam outras vozes longínquas e próximas como naquela história milenar onde reis distantes se comunicavam através de caixas. Ao abrir, a mensagem ecoava sendo ouvida – embora nada ocupasse esta caixa. Assim, também, plantas falam, como os anéis silenciosos do tronco da árvore contando sua história em música. Bartholomäus Traubeck recentemente traduziu em algoritmos os anéis de uma fatia de tronco de árvore cortado e tocado como disco. Colocado neste “toca-discos” plataforma giratória, escutou sua música em notas de piano.

Vozes parecem inauditas, mas estão todo tempo revelando suas falas para quem se dispõe a observar outras escutas.

Histórias pertencem e se relacionam às vozes oferecidas, entregues.

Anti Vox

Entre as características do som, lembrou Cage em “Silence”, apenas a duração envolve ao mesmo tempo, som e silencio. Naquelas três obras denominadas “Delivered in Voices”, Tunga exercita esta equação entregando formas ampliadas de escuta.

Na primeira escultura, onde logo enxergamos um meteorito, o aparente silencio daqueles átomos, moléculas ou íons reunidos em forma cristalizada canta tridimensionalmente impregnado por ondas eletromagnéticas. Se para tudo existe um inverso, matéria e anti-matéria, estas falas ali – sim, além do poeta, o meteorito fala – podem ser anti-vozes.

Uma voz encobre ou descobre.

Uma voz dá profundidade ao eco silencioso desta fala som vocal do sentido, mesmo que seja outro mundo: um meteorito pode ser fragmento de planeta.

O corpo pode até esquecer o corpo neste falante onde caminhos inversos convivem: Dylan Thomas agora deixa escapar: once it was the colour of saying. Nesta voz do poeta, não apenas um meio para produzir palavras, não apenas o poder da convicção da fala, mas o gosto nas remarcáveis permutas eletromagnéticas junto a este outro eco meteórico, resto de planeta desintegrado.

Phantázein: fantasma ou fantasia

A espada ritualística que é de Jorge mas também de Ogum, brada sua fala inaudita afastando vibrações negativas. Ali, naquela escultura, ondas amplificadas desta planta também captam a voz infantil e herdeira de um tempo que lhe foi tomado, quando retirada deste mundo precocemente. Phantázein: fantasma ou fantasia.

Lobo conduto

Um cristal, também gelo e quartzo como queriam os gregos da antiguidade, são condutores de geometria vibrando em seu tamanho: quanto maior o cristal mais grave a frequência de suas ondas, e inversamente, quanto menor, mais aguda. A sonoridade vibra emanações elétricas, condutoras de mensagens precipitando fortes, suaves, escutam o poeta entregar vozes de lobos.

Embutido naquela última escultura, um microfone evoca Orfeu, encoberto pela argila que um dia o criou. Sendo a cor desta fala transparente, numa lira de mais cordas – lira de Orfeu – cada corda amplia o silencio de alguma outra ainda muda. Nesta geometria de vozes, cargas elétricas estão dispostas em arranjo fônico sussurrando: uma voz acorda outra voz adormecida.

Desencarnados, alguns ouvidos aceitam surpresos sua leviandade, já não temem uivos de lobos, espadas ou vozes partidas, porque estes acordam a lua, e a luz desta acorda o silencio do cristal, do meteoro, das plantas…. a voz acorda outra voz que dorme,

Algumas habitam outros mundos, outras apenas estavam ali quase quietas em sua fala peculiar, palavra e som transformando todo o corpo em uma boca… disse Allen S. Weiss: “apenas quando todo nosso corpo se transforma numa boca é quando verdadeiramente conseguimos falar“. Bocas, vozes, palavras, plantas, cristais entregues, afinal se estabilizam no calor desta fusão ordenada, “Delivered in Voices”.