“Recapitular. Repetir. Resumir. Voltar. Compendiar. Relembrar. Recordar. Rememorar. Reviver. Compilar. Condensar. Recapitular.
RECAP.
Chegar até aqui não foi fácil. Mesmo. Nadando contra a corrente, lutando contra burocracias, enfrentando desconfiança, ignorando modismos, passando por crises financeiras e desvalorização do câmbio… Quando o festival foi desenhado no papel, em 2010, inocentemente acreditava que as coisas se tornariam mais fáceis com o passar dos anos. Ledo engano. A pressão em ampliar e melhorar o Novas Frequências aumenta significativamente todo ano. Sempre é mais difícil. Sim, só agora a ficha caiu: sempre será mais difícil. E que bom que seja desta forma, na verdade. Acomodação é algo que definitivamente não existe no vocabulário do Novas Frequências.
Sob o tema central, “RECAP”, o festival busca recapitular alguns dos conceitos, recortes e destaques das edições anteriores. Sem repetir nenhum artista no line-up, o festival realiza um reflexo histórico de tudo que já fez até hoje, dialogando assim com o seu passado em busca de criar um nexo, de fechar um ciclo para em seguida apontar para o futuro. Em outras palavras, o festival amplia as discussões trazidas anteriormente trazendo novos artistas que possuem maneiras distintas de lidar com os temas levantados no passado. Uma espécie de best of. Assim, ao mesmo tempo em que possibilitamos que o público que não conhecia o festival em 2011 ou 2012 tome contato com esses universos específicos, também nos permitimos nos aprofundar um pouco mais em assuntos que ainda permanecem relevantes e atuais.
Alguns exemplos: transcendência e iluminação (2011); forte presença autoral feminina na nova cena eletrônica/experimental e o pop como experimento (2012); a síntese-resíntese de materiais pré-existentes, o terror/horror e a repetição como meio de criar abstração (2013); estudos sobre o continente africano, a cidade do Rio como laboratório de pesquisa, caminhadas sonoras e outros sons de velhos instrumentos (2014).
São muitos destaques nesta 5ª edição. Desde o nascimento, o Novas Frequências sempre esteve muito mais ligado à arte contemporânea do que à música enquanto entretenimento. A relação com a arte sonora, com a música de invenção e com a performance, embora possa ser perfeitamente abrigada num palco, não se limita a ele. Desta forma, em sua 5ª edição, o festival expande mais uma vez seu formato em busca de uma ampliação de seus espectros. Ao mesmo tempo em que avança cada vez mais no campo da sound art, o Novas Frequências 2015 conversa com outros suportes artísticos, abrigando propostas audiovisuais, instalativas e até mesmo fotográficas. No galpão/atelier do artista plástico Tunga (“Laboratório Agnut”), o festival realiza duas ações que terão a mesma duração do festival. No amplo espaço localizado na Barrinha, as fotografias de Fabio Ghivelder utilizadas na identidade visual do festival serão apresentadas em uma exposição. E o próprio Tunga, um dos mais conhecidos nomes da arte brasileira em todo o mundo, irá expor uma “instauração” batizada “Delivered in Voices”. Diariamente, artistas e músicos experimentais de vários backgrounds irão interagir com esta obra sonora inédita e interativa: Luísa Nóbrega e Barrão, Ava Rocha & Eduardo Manso, DEDO, N-1, Lilian Zaremba & Fred Paredes, Dissonâmbulos, Meteoro, Thingamajicks & Marcelo Mudou, Lucas Santtana e Félicia Atkinson. Na Audio Rebel, principal ponto da cidade no diz respeito a uma música mais desafiadora e instigante, o festival irá apresentar uma mostra com 6 longas, entre documentários, filmes de arte e experimentos sonoro-imagéticos.
A nova casa de shows e festas Antonieta, na Lapa, é o cenário perfeito para uma festa que investiga a África e suas diásporas. The Bug ft Miss Red é Jamaica via Brixton: toda a tradição do reggae e do dub através do filtro urbanóide e hooligan inglês. Já a dupla Auntie Flo & Esa mergulha fundo em ritmos latinos e africanos apimentando sua mistura de house e techno. Do Rio, a parceria entre Marginal Men + DJ Sydney atualiza o funk para o século 21. Também carioca, Daniel Lucas através da alcunha Pigmalião, funde referências regionais e raízes latino-americanas com sons específicos de outras partes do mundo. Vale mencionar que Kevin Martin, o “The Bug”, também toca no Novas Frequências com o seu trio King Midas Sound, um projeto de graves pesados, psicodelia, lovers rock e hip-hop abstrato.
Mais uma vez, o uso inovador de instrumentos convencionais retorna como recorte ao Novas Frequências, mostrando que o interesse do festival reside muito mais no como do que no quê. Dawn of Midi é um trio baseado no Brooklyn de origem marroquina, indiana e paquistanesa que utiliza instrumentos acústicos para soar como música eletrônica. De Portugal, o Timespine usa um dobro, um zither e uma guitarra baixo. Fazem uma espécie de folk com elementos de música contemporânea e improvisação. Inédito no Rio de Janeiro, Juçara Marçal & Cadu Tenório apresentam seu primeiro trabalho em conjunto: “Anganga” é uma combinação da produção ruidista de Cadu com as reflexões de Juçara sobre as tradições afro-brasileiras. A performance batizada “Cavulcão”, do paulistano m.takara (também inédita no Rio), subverte a maneira como o tradicional cavaquinho é tocado.
A experiência com o som é expandida de uma forma nunca antes apresentada no festival. A dupla italiana Quiet Ensemble traduz instrumentos musicais clássicos através de recursos luminosos, estroboscópicos e teatrais com a função de formar uma verdadeira orquestra elétrico-óptica de frequência, calor e ruído. A relação entre o som e a arquitetura, mais especificamente a obra do maior dos maiores Oscar Niemeyer, é o tema da residência artística do escocês Trudat Sound. No primeiro hacklab (ou laboratório colaborativo) desenvolvido pelo festival, a dupla mexicana Interspecifics Collective, especialista em sonificação, vai coletar bactérias e sedimentos de diferentes praias do Rio para criar uma sinfonia de sons e ritmos não-humanos junto a artistas locais. Há ainda os inventores Pierre Bastien, Marco Scarassatti e Paulo Santos. O francês Bastien é o maestro por trás da “Mecanium”, uma orquestra de peças musicais automatizadas construídas com partes mecânicas recicladas. Scarassatti vai apresentar no festival a obra “Novelo Elétrico”, uma construção poética de espaços sonoros tendo como matriz a improvisação e a gravação processada com instrumentos musicais não usuais, inventados e objetos situados entre a música e as artes visuais. Scarassati também apresenta “Deriva Sonora”, uma oficina em que a música se constrói a partir da escuta do ambiente e a exploração sonora de suas características acústicas. Paulo Santos esteve durante mais de três décadas ao lado da hoje extinta oficina instrumental Uakti. Sua apresentação em conjunto com o sexteto paulistano de pós-rock Hurtmold é inédita no Rio.
A parceria do British Council com o Novas Frequências se confirma mais uma vez: é o terceiro ano consecutivo em que a organização internacional do Reino Unido para relações culturais e oportunidades educacionais é parceira institucional do festival. Graças a um apoio conjunto do British Coucil com o Creative Scotland, o Novas Frequências realiza em 2015 residências artísticas com os já mencionados Trudat Sound e Auntie Flo. No caso deste último, o objetivo é encontrar artistas locais e discos antigos para a gravação de músicas inéditas com inspiração afro-brasileira. A presença no festival dos artistas King Midas Sound e The Bug também foi viabilizada graças ao British Council.
Ainda com um recorte mais geográfico, em parceria com o Consulado Geral da França no Rio de Janeiro, o Novas Frequências desenvolveu um programa com dois artistas franceses e dois brasileiros. Félicia Atkinson é uma artista visual e sonora que usa e abusa de delays, loops e saturações em sua música-poesia concreta. Há ainda os já mencionados Pierre Bastien, m. takara e Marco Scarassatti.
Depois de trazer, em edições anteriores, alguns dos principais nomes da eletrônica experimental – artistas do porte de Tim Hecker, Ben Frost, Vladislav Delay, Actress, pole, Mark Fell e Keith Fullerton Whitman – chegou a vez de apresentar Mika Vainio, finlandês com uma sonoridade única entre o drone abstrato e o techno vanguardista. Outro importante destaque nesta seara eletrônica não-interessada na pista de dança é Tyondai Braxton, ex-guitarrista, tecladista e vocalista da banda de rock vanguartista Battles. E também os brasileiros Acavernus (Paula Rebellato) e Thingamajicks (Vinicius Duarte), um dos selecionados para a Red Bull Music Academy 2015, que este ano seu deu em Paris.
Pela primeira vez o festival possui tantos brasileiros em sua escalação. São ao todo 26 nomes (contra 16 artistas internacionais), reforçando o excelente momento em que vive a nova cena de música experimental/eletrônica do país. Reforçando ainda mais a ligação do festival este ano com as artes audiovisuais, o Bemônio, à convite do Novas Frequências, retrilha o filme polonês de terror e reflexão metafísica “Madre Joana dos Anjos”, de Jerzy Kawalerowicz (vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 1961).
Finalmente, a parceria inédita no Brasil entre Phill Niblock e Thomas Ankersmit. Niblock é uma autêntica lenda do experimentalismo norte-americano. Da mesma escola minimalista de Steve Reich, Terry Riley e Philip Glass, Niblock, que também é cineasta, cria drones microtonais, monolíticos e digitalmente processados: o resultado é a ausência completa de melodia ou ritmo. Ankersmit é mais eletrônico. Fenômenos acústicos, como reflexões de som, vibrações infrasônicas, emissões otoacústicas e projeções altamente direcionais são algumas das suas especialidades.
RECAP. Ao adotar um tema com estas características, é como se passássemos uma régua em tudo aquilo que já fizemos. Ou seja, depois de recapitular, só pode vir (ainda mais) novidade daqui para a frente. A 6ª edição do Novas Frequências promete.
PS: Obrigado Tathi, Batman, Arlete e Roberto.”
Chico Dub
Curador e diretor artístico do Festival Novas Frequências