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A cartografia rítmica de Moritz von Oswald – Chico Cornejo

O universo de permutações que a musicalidade atual nos oferece é tão vasto e diverso que mapeá-lo por gêneros muitas vezes se torna um daqueles facilitadores que rapidamente se transformam em hábitos nocivos que, ao invés de nos ajudarem a navegar por essa infinitude cromática e afetiva à qual a música dá forma, acabam por nos isolar de uma dimensão de descoberta essencial à fruição. Ademais, essas fronteiras também modulam gostos e percepções de um modo tão rígido que cada ruptura ou combinação que a criatividade opera são vistas como iconoclasmos ou atos revolucionários, quando são de fato apenas seu fluxo normal, essencialmente infenso a limitações de qualquer tipo.

A obra de Moritz von Oswald exibe precisamente o acúmulo de anos percorrendo tal imensidão através dessas balizas, testando sua elasticidade e mesmo ignorando suas demarcações em cada um de seus projetos. Foi singrando pela fluidez dos infinitos ritmos que o mundo oferece, transpassando fronteiras políticas e desafiando aquelas imaginárias sobre as quais acomodamos nossa percepção, que ele montou um mosaico de influências tão díspares com resultados tão diversos que apenas fariam algum sentido no interior de uma trajetória como a sua, sinuosa em suas direções estilísticas ainda que extremamente aprumada em seu sentido estético. 

Seguindo esse norte muito particular e bem delineado que seu horizonte se revela, composto por formas e forças que se fundem e interpolam a ponto de englobarem paisagens sonoras tão díspares como as de Detroit, Acra, Berlim, Lagos, Reykjavik e Kingston. Portos musicais nos quais atraca de modo único, absorvendo as sonoridades locais e as (re)interpretando enquanto molda a sua própria no processo. Uma abordagem tão rigorosa em sua disciplina interna quanto generosa em suas relações externas, onde ele provê novos meios para que estruturas rítmicas e esquemas melódicos se expressem.

Esse ímpeto exploratório munido de um arraigado senso de responsabilidade e respeito as tradições com que dialoga, não deixam de evocar uma certa filiação com outras figuras que, como ele, são tão germânicas quanto cruciais para nosso entendimento e conhecimento de muito desse vasto repertório simbólico de que falamos no início. É assim que podemos entender Von Oswald como um explorador, muito à imagem de Hans Staden, antes transpondo elementos locais para novas plataformas a fim de amplificar sua voz e expandir sua influência global, que se apropriando de sua riqueza.

Longe de compreender os sons como fonte de material bruto a ser moldado, ele os considera como seres: vivos e pulsantes, diversos e singulares, dotados de personalidade e dignidade. E, por esta mesma razão, sua liberdade é algo essencial para a criação musical, sendo parte intrínseca do trabalho que o consagrou como produtor, compositor e condutor. Esta mesma perspectiva é fonte de sua invejável capacidade de se adaptar e reinventar entre tantas fases de uma trajetória que pontua alguns dos momentos mais cruciais da música alemã contemporânea.

Ela se inicia nos oitenta, em meio ao rebuliço da Neue Deutsche Welle, a New Wave que se originou do Krautrock, como parte da arrojada banda Palais Schaumburg ao lado de outros luminares do experimentalismo como Holger Hiller e Thomas Fehlmann; inclui a fundação de um gênero que se tornaria canônico entre as mutações da música eletrônica moderna, o Dub Techno, fruto de uma hibridização tão improvável para todos os demais quanto evidente para ele através do eixo repetitivo comum dos ritmos e seu poder hipnótico; chegando até inovadoras formas de construção e regência musical com os vários projetos dos quais fez e faz parte, levando-o a impetuosas colaborações com outros colossos oriundos dos mais diversos cantos daquela vastidão à qual aludimos logo no início, entre eles Tony Allen, Sugar Minott, Juan Atkins, Jennifer Lara, Mark Ernestus e inúmeros outros.

O que se configura aqui, como vemos, nem é um currículo ou um mero desfile de credenciais e parcerias, é um itinerário rico em desafios e prenhe de possibilidades, nas quais Moritz von Oswald dá voz a uma opulenta polifonia sem se perder em nenhum momento. Seu segredo? Ter como guia uma das formas mais elementares de comunicação humana: a percussão.