Entrevista por Bernardo Oliveira (crítico e professor de filosofia, co-produtor do Quintavant)
É inegável que o trabalho da cantora e performer norte-americana Ashley Paul se tornou mais conhecido recentemente, sobretudo a partir do álbum Line The Clouds, lançado em 2013. Eleito pela crítica anglo-saxã como um dos discos daquele ano, Paul se projetou para além do circuito de improvisação de Nova Iorque, graças a seu talento particular na utilização da voz incorporada ao improviso. Repleta de costuras abstratas entre a voz e um amplo espectro de instrumentos (saxofone, clarinete, guitarra, percussões), a música de Ashley Paul desenvolve “canções intuitivas”, aparentemente entoadas ao sabor do acaso, mas com a firmeza de quem tem plena consciência do que está fazendo.
Residente em Nova Iorque, Paul já teve a oportunidade de trabalhar com uma série de grandes nomes vinculados à experimentação sonora, como Phil Niblock, Rashad Becker, Aki Onda, C. Spencer Yeh, entre outros. Seu novo álbum, Heat Source, foi gravado entre Nova York e Londres durante um período de fortes experiências pessoais, ocasionando um efeito curioso: composto por voz, sopros e elementos percussivos, Heat Source é preenchido por silêncios e elementos abstratos, exibindo a faceta mais conceitual do trabalho de Paul.
Reproduzimos abaixo uma entrevista realizada com a artista por email, na qual ela responde a algumas perguntas pontuais acerca do seu trabalho.
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Gostaria que você falasse um pouco sobre sua formação e, particularmente, como chegou a essa combinação original de composição e improvisação?
Eu cresci submersa em música e arte. Estudei piano clássico a partir dos três anos e saxofone aos dez. Meu pai toca violão, minha irmã toca piano e canta e minha mãe é pintora. Estudei improvisação a sério por muitos anos e, tomando contato com esse universo, fui me tornando cada vez mais interessada em música contemporânea, tanto a música para concerto como a música popular.
Em um texto no seu site, você descreve sua música como a combinação de “canções intuitivas” e “forma livre”. Como você desenvolve suas “canções intuitivas”?
Tudo acontece no momento da composição e da gravação. O ato de compor e gravar é um processo rápido. Tenho um sentimento ou uma idéia e os instrumentos estão ao redor. Então, eu começo a buscar para onde essa intuição me leva. Geralmente trabalho rápido no processo de gravação, justamente para permitir que, ao invés de pensamento cognitivo, a intuição seja a força motriz da minha música.
Cada peça é um “instantâneo” do momento em que foi feita. Dito isso, eu sou um pouco perfeccionista. Depois que o improviso é gravado, passo inúmeras horas automatizando e editando o material, manipulando trechos, selecionando um único ataque de timbre, regulando alturas, definindo um crescendo, destacando pequenas partes da música que foi gravada.
Ao mesmo tempo percebemos um aspecto conceitual na composição que obriga os intrumentos a dialogarem com a voz. Você concebe as dinâmicas de ritmo e melodia antes ou durante a gravação/performance?
Tudo acontece ao mesmo tempo.
Penso que categorias como modal e atonal não se aplicam ao modo livre com que você constrói a harmonia. Como você definiria o emprego da harmonia em seu trabalho?
Tenho a informação teórica armazenada por conta de muitos anos de estudo. Agora, simplesmente penso no som e no sentimento que quero expressar e tento elaborar e criar a paleta de sons que está na minha cabeça. Nunca penso em progressões harmônicas ou teoria, mas sem dúvida esse conhecimento teórico afeta e sustenta tudo o que faço.
A sua utilização da voz se dá de forma ambígua: a voz como o centro da canção; e a voz utilizada como instrumento. Gostaria que falasse um pouco sobre essa tensão.
Eu cresci estudando saxofone, de modo que, por muitos anos, percebi a música a partir da perspectiva de um instrumento melódico. Como cresci e comecei a ter meus próprios pensamentos sobre a criação musical, me tornei mais interessada em outros modos de tocar o saxofone. Tornei-me mais interessada em usá-lo texturalmente e harmonicamente. Essa perspectiva tem influenciado a forma como me aproximo de todos os instrumentos, incluindo a voz. Eu não vejo a voz como o centro da composição, não mais do que qualquer outro instrumento que uso. Para mim eles estão no mesmo registro. A voz é um instrumento que cria apenas um som em uma vasta paleta de sons que estou interessada em usar.
Preenchido por momentos silenciosos e elementos abstratos, Heat Source parece mostrar a faceta mais conceitual do trabalho. Fale um pouco sobre como esse trabalho foi elaborado e produzido.
Foi um ano emocionalmente intenso. Muitas viagens, mágoas pessoais e novos relacionamentos. Eu não estava tentando representar isso no trabalho de forma consciente, mas, sem dúvida, afetou aquilo que foi criado. Fazer música é um processo muito pessoal para mim. Agora eu realmente posso dizer que toco as peças enquanto gravo. Além disso, intensificar a quantidade de apresentações ao vivo teve um impacto sobre a forma como eu concebo cada música. Há tanta coisa interessante que eu posso produzir sozinha em um ambiente ao vivo (sem o uso de aparelhos eletrônicos).
Um aspecto interessante de seus álbuns anteriores a Heat Source são as percussões. Fale um pouco sobre o caráter abstrato (e eventualmente agressivo) do emprego das percussões.
Hah. Eu escolho os instrumentos por causa das texturas e sons que eles podem criar. Eu não sou uma percussionista e, assim, o modo como eu toco instrumentos de percussão é afetado por isso. Eu acho que a luta que eu tenho com os instrumentos é empolgante e libertadora, pois me permite falhar e me deliciar com isso.
Em uma entrevista no ano passado, você declarou: “A música é minha fuga da realidade.” Para onde você vai quando toca, compõe e produz?
Me volto para dentro de mim mesma.
Quando ouço seus discos, particularmente, penso em pintura e literatura que trabalham com o tempo subjetivo — Proust, Malevitch. Quais suas influências extra-musicais?
Rothko, minha mãe, Richard Brautigan, bons amigos, jardinagem, vagar por aí…
Por fim, como funcionam suas apresentações? São puramente improvisadas? Ou você dialoga com temas e ideias contidas nos discos?
Cada performance é totalmente planejada e bem estruturada. Existem espaços construídos para a improvisação, bem como temas e músicas do material gravado. Acho que se eu planejo de forma precisa, tenho mais liberdade para trabalhar dentro da estrutura no momento da apresentação. Além disso, meu set-up é logisticamente complicado, pois quase sempre estou tocando vários instrumentos ao mesmo tempo. Então, preciso planejar para controlar o modo como isso afetará o fluxo como um todo.
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Ashley Paul se apresenta dia 01/12 na Audio Rebel
Ingressos a venda em: http://bit.ly/1qIJepV
Ashley Paul – Sail from The Wire Magazine on Vimeo.