Novas Frequências 2014

Como sempre, como nunca

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Por: André Gomes (Editor do portal português Bodyspace)

Olhando para trás, é difícil encontrar um momento em que a música portuguesa tenha sido tão diversa e ampla na sua proposta. Ao mesmo tempo, não há memória de um período em que os artistas portugueses, nas mais variadas áreas, tenham levado a sua música para fora das fronteiras do país com esta expressão e cadência, nas mais variadas expressões musicais. Não será necessário que passem um par de décadas para que tenhamos a certeza que vivemos uma época dourada na música portuguesa. E isso aplica-se também no que diz respeito às músicas “avançadas” — experimentais, avant garde, exploradoras, chamem-lhe o quiserem. Se os anos 80 e 90 foram palco de variadíssimas experiências a esse nível (como, por exemplo, os Telectu, de Jorge Lima Barreto e Vitor Rua, ou os Osso Exótico), e muitas delas deram frutos que podem ser colhidos ainda nos dias de hoje, foi na década passada que essa realidade ganhou uma dimensão superior não só no número de produtores, de agentes, como no público interessado em absorver essa oferta. No espaço de dois ou três anos, sem nenhuma explicação particularmente evidente, mas certamente influenciada pelo número de artistas estrangeiros que passaram pelo país no início da década, nasceram e multiplicaram-se as bandas de norte a sul — com especial incidência em Lisboa — e com elas chegaram novas editoras (como a Merzbau e a Esquilo), novas salas, novas promotoras e novos hábitos. Bandas como os Frango, Lobster, CAVEIRA, Loosers, One Might Add, Lemur, PCF Moya, Gala Drop, Osso, colectivos como a SOOPA, entre muitos outros, mudaram o panorama musical português no que diz respeito à música longe dos holofotes. Chamou-se-lhe Música Periférica Portuguesa quase por piada, quase por ser próximo da verdade. Mostravam a sua música em CD-Rs, produziam os seus próprios cartazes, faziam a própria comunicação dos concertos (numa altura em que não havia muitas publicações centradas nessa realidade): será justo dizer que reinava o DIY. Como sempre, como nunca. Nesta altura assistiu-se ainda a um fenômeno curioso e frutífero de cruzamento entre esta nova geração e uma outra gerações de criadores (Manuel Mota, Sei Miguel, Rafael Toral, entre outros), um encontro de vontades que foi acontecendo em discos e nos palcos — e que sucede ainda hoje. Espaços como a Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, que nesta altura assumiu um papel fundamental ao dar palco a muitos destes projetos, assim como o Maus Hábitos e o Passos Manuel, no Porto, entre outros, ajudaram a colocar esta “música periférica” no mapa. Em 2004, e também a reboque desta nova realidade musical, aconteceu a primeira edição do OUT.FEST, em Barreiro, um festival que cresceu em ambição e importância e que continua até hoje a segurar a bandeira da música experimental. Esta é também uma história de descentralização; regional, de meios, de formatos, de públicos. As “novas frequências” da música portuguesa manifestam-se hoje em círculos muito distintos; muitas vezes sob influência direta de tudo o que foi construído ao longo dos últimos anos. Aos atores de sempre juntam-se novos atores; mais novas editoras, mais novos festivais, mais novas promotoras, novas salas de concertos. Os exemplos são mais do que muitos. Festivais de música eletrônica experimental como o SEMIBREVE, em Braga, fundado em 2011, ou oMadeira Dig, na Ilha da Madeira, que nasceu em 2004, são um ponto de encontro essencial entre “produtores” nacionais e internacionais. Reaberto desde 2006, o Teatro Maria Matos (Lisboa) tem vindo a assumir as despesas de apresentar ao grande público — e com sucesso — propostas que, regra geral, passam ao lado dos radares das grandes salas nacionais. O GNRation (Braga), com programação de Luís Fernandes (The Astroboy), parece querer aplicar a mesma receita no norte do país. No Porto, a Sonoscopia, fundada por vários músicos e artistas (alguns com ligação ao colectivo SOOPA), tem vindo a afirmar-se cada vez mais como a casa das músicas experimentais da cidade. Ainda em Lisboa, a Filho Único, promotora criada por Nélson Gomes e Pedro Gomes (em tempos programadores da Galeria Zé dos Bois), tem desempenhado um papel fundamental na cidade e no país, assumindo a curadoria de ciclos de concertos em vários locais. A Príncipe Discos, a editora que Nélson Gomes e Pedro Gomes fundaram com Márcio Matos e José Moura, tem tido um papel essencial nos últimos anos na área da música de dança (seja housetechnokudurokizombafunaná, ou outras), trazendo dos subúrbios Lisboa para o centro das atenções nomes como DJ Marfox, DJ Nigga Fox, DJ Firmeza, entre outros. A Terrain Ahead, uma editora ligada à música de dança que nasceu no Porto mas tem exportado vários produtores para outras paragens. Noutras coordenadas, o projecto Quest, em que Luís Fernandes e Joana Gama, desafiados pelo Theatro Circo (Braga), fundem o piano e a música electrónica, é um exemplo, entre muitos, que simboliza a confirmação da vitória (da teimosia) de uma certa música em Portugal: desafiante, fora dos radares, com os dois olhos apontados ao futuro. A prova que um país e a sua cultura só se constroem realmente no “confronto” com a contemporaneidade. Visto daqui há motivos para acreditar no que está por vir.

 
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