Novas Frequências 2014

O caso de amor entre a arte e o mundo dos sons…

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Por Franz Manata e Saulo Laudares (Produtores, curadores, artistas)

…apesar de ser um fenômeno recente na mídia, tem suas raízes no início do século passado quando cria sua densidade histórica e se converte no repertório da produção contemporânea.

Os primeiros a se interessar por esta nova gama de possibilidades foram os Futuristas italianos, os Dadaístas e Marcel Duchamp, ao valorizar esteticamente o entorno acústico.

Já nos anos 50, a música eletrônica deixava de ser uma mera esquisitice ou curiosidade científica. Os novos instrumentos, a tecnologia de áudio e suas possibilidades passam a despertar o interesse da música clássica acadêmica como forma de expandir os limites do seu repertório.

Nessa época, em Paris, o pesquisador Pierre Schaeffer se associa ao compositor Pierre Henry e funda o GRMC “Groupe de Recherche de Musique Concrète” e começam a gravar, cortar, editar e espacializar os sons concretos (ruídos, texturas, sons provocados etc.) produzidos durante longas madrugadas nos estudios da RDF “Radiodiffusion Télevision Française”.

Do outro lado do Atlântico surge John Cage que amplia as concepções e possibilidades da música ao provocar os ouvintes a escutar o silêncio e os ruídos espontâneos nos concertos, introduzindo o acaso como parte da composição.

Influenciados por estas idéias, numa atitude neodadaista, artistas do grupo FLUXUS organizam, durante os anos de 60, uma série de festivais — entre eles o antológico Festival da Nova Música, realizado em 1962, em Wiesbaden, na Alemanha — onde incorporam, o discurso sonoro, a performance, o happening, os ambientes e esculturas sonoras, contribuindo decisivamente para atribuir estatuto estético ao som. A partir daí, música e arte nunca mais foram as mesmas.

Os anos 80 assistem a um crescente número de artistas, grupos e coletivos que cruzam as fronteiras e atuam no mundo do entretenimento ao mesmo tempo que performam em centros de arte e colocam obras em importantes museus e coleções. Ao longo dos 90 os festivais se multiplicam e apresentam uma proliferação de gêneros e subgeneros tantos quanto a música contemporânea pode criar.

Atento às tendências da música experimental, o Novas Frequências tangencia o mainstream, dialoga com essas vanguadas históricas e apresenta artistas que buscam, com suas linguagens, outras texturas e visualidades sonoras.

Nessa quarta edição os convidados têm em comum a percepção da música a partir do fato ‘objetual’, matérico, físico, lançando mão de cassetes, vinis, remixes e sons que pode ser sintetizados, somados a instrumentos acústicos, sampleados e manipulados, previamente e/ou ao vivo.

Não se trata de neoludismo ou da simples discussão sobre obsolescência mas, sim, levar a cabo uma prática de vida que realça e resgata determinados ‘índices’ que já não são mais tão valorizados no mundo atual, onde ter a última versão do gadget é imperioso.

Um bom exemplo é Cassette Memories de Aki Onda, japonês que vive no Brooklin e já se apresentou no The Kitchen (NY) e no Centre Pompidou (Paris). Um “diário sonoro” feito com sons compilados há mais de duas décadas, a partir de suas gravações de campo realizadas com um Walkman. O projeto terá continuidade aqui no Rio.

Trazendo sua leitura contemporânea para a música árabe e sufi clássica, a peça Tarab Cuts, de John Butcher & Mark Sanders reune improvisações com elementos de violino, percussão e trechos de cantos retirados de uma gigantesca coleção de discos de Beirut com material que vai de 1903 a 1950. O trabalho já foi apresentado na Serpentine Gallery e em vários festivais contemporâneos como o London Jazz, o Counterflows e o Bristol New Music.

Já o inglês Philip Jeck usa seus vinis antigos e toca-discos garimpados em sucatas como se fossem instrumentos musicais adaptados segundo suas necessidades estéticas e expressivas, criando texturas surpreendentes. Conhecido como “arqueólogo de sons” ou, “o cara que escuta coisas que só ele ouve”, Jeck participou de importantes mostras de arte como a Bienal de Veneza, e expôs na Hayward Gallery e no Barbican Centre, em Londres.

O norte-americano Keith Fullerton Whitman é o que se pode chamar, pelo seu conhecimento teórico e prático, de um virtuose da cena eletrônica. Keith têm gastado grande parte de seu tempo e energia criativa para desenvolver uma apresentação inteiramente live. Seus sintetizadores modulares (analógicos e digitais) permitem uma complexidade de sons que ele apresentou recentemente em dois discos (Generators e Occlusions) lançados pelo selo austríaco Editions Mego.

O que vemos nesse recorte de artistas é que a tecnologia de áudio continua transformando a música e inundando a arte sonora. O Novas Frequências nos convida para refletir sobre esse romance, que ainda vai longe…

 
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