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“O conflito é o começo da conscientização”, de Tim Terpstra

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Ao pensar no tema de 2015 do Novas Frequências, RECAP, a primeira coisa que me vem à cabeça é o interessante conflito que se encontra dentro do significado de recapitulação. Pode ser sobre brevemente recomeçar, ainda que em outro contexto possa ser sobre dar uma nova forma ou expressão a algo. Eu acho que a última definição é o caso da maioria dos festivais independentes operando na área de artes e música emergentes. Recapitular normalmente envolve não apenas refletir sobre o que aconteceu, mas levar essas reflexões para o presente. A reflexão raramente torna-se completamente isolada das tendências e desenvolvimentos atuais. Ao refletir, eventos e estados atuais muitas vezes fazem parte do processo de rememoração.

Isso também tornou-se aparente quando fui convidado para escrever algo sobre tempo, quando TodaysArt (festival anual de arte contemporânea e cultural emergente em Haia, que acabou de comemorar o seu 11o aniversário) chegou ao seu 5o aniversário. Esse é um ponto vantajoso e interessante, principalmente porque você está olhando para trás para um momento específico no qual nós refletimos nos cinco anos antes daquele momento. É inevitável que rever esse momento agora, em 2015, antecipe novas conotações e traga novas experiências também.

Para o TodaysArt, 2009 foi um ano de conflito. O tema e a programação foram inspirados pela psicanalista Junguiana M. Esther Harding, que declarou que “conflito é o começo da conscientização”. O tema foi não só refletido na programação, que consistia em muitos artistas e produções únicas de uma imensidão de gêneros, mas também na identidade do festival e da cidade na qual operou. Para nós, internamente, 2009 foi a edição na qual nós tivemos que reduzir as nossas ambições e lidar com diversos cortes de orçamento, levando a conflitos internos. Da perspectiva da cidade, nós pensamos que era urgente reagir à identidade auto-proclamada de Haia como a Cidade Internacional da Paz, Justiça e Segurança em um momento em que o mundo inteiro parece estar em conflito. Nós estávamos interessados no que aconteceria se você introduzisse o conflito à cidade. Nossa equipe artística e de design desenvolveu uma campanha do festival que fazia pensar em uma simples questão: como as pessoas iriam reagir quando fossem expostos a uma série de pôsteres e vídeos retratando ambientes urbanos de Haia bombardeados e em chamas, e retratando imagens de ditadores e mártires fictícios no meio da cidade deles. O tema do conflito tornou-se uma realidade para gente, mesmo levando ao aprisionamento do nosso diretor e interrogações ao nosso time pelo departamento anti-terrorismo. O tema nunca foi escolhido para incitar conflito, mas simplesmente chamar atenção para o assunto e levantar questões. Acabou que os parâmetros determinando o que é aceitável e o que não é são, no mínimo, vagos e, talvez, questionáveis. O fato da nossa campanha ter sido interpretada como uma séria ameaça salientou a necessidade de um debate. Por fim, as ações foram questionadas em políticas nacionais e locais e a campanha foi nomeada para o Dutch Design Award.

Olhando para trás antes de 2009, nós realizamos quatro edições das quais temos muito orgulho e, mesmo agora, ainda incluem alguns dos nossos projetos mais bem-sucedidos já realizados. Eu acredito que possa ser dito que cada uma dessas edições não poderia ter sido realizada se não fosse a edição do ano anterior.

Quando se trabalha em um festival anual, faz sentido recapitular para construir um enredo consistente. Muitas decisões a respeito das novas atividades arrastam experiências anteriores, o que pode definir essas decisões em grande parte. No entanto, é importante achar o equilíbrio perfeito entre abraçar experiências passadas e deixar para trás o passado completamente. Por exemplo, reintroduzir elementos bem-sucedidos já apresentados no festival em uma nova edição pode funcionar bem para a organização, para o público e/ou para os artistas, mas também pode tirar a oportunidade de apresentar novos elementos e continuar experimentando e inovando. Para nós, montando o festival como um laboratório vivo permanece como um dos elementos-chave lidar com o passado, presente e futuro. Permitir aos artistas que experimentem na frente do público, trabalhar com convites abertos aos artistas para decidirem o que eles gostariam de apresentar (ao mesmo tempo em que nos comunicamos de perto com eles).

Se você quer mostrar o que realmente está acontecendo nesse momento, você tem que se manter flexível sem ignorar nem o passado nem o futuro. TodaysArt não é um festival retrospectivo ou um festival focado no futuro, mas nós evitamos idéias que lidem com perspectivas históricas e/ou cenários futuros.
Muitos festivais operam retrospectivamente, TodaysArt (e muitos festivais parceiros) buscam refletir o presente. É um tanto quanto desafiador criar uma programação que é e continuará relevante. E muitas vezes, de fato, não é, mas tudo bem. Se você gostaria apenas de ir a eventos retrospectivos, não haverá muita criação ou conexões com atualidades e tópicos, contextos e circunstâncias urgentes.

É interessante ver que festivais que operam dentro de circunstâncias, localizações geográficas e contextos muito diferentes compartilham muitas similaridades nas suas abordagens. Olhando especificamente para o Novas Frequências, eu profundamente respeito os esforços deles, pelos últimos cinco anos, por ficarem dedicados ao desenvolvimento e apresentação de formas experimentais e novas, pois não é algo comum e certamente fácil de alcançar.

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When thinking about the Novas Frequências 2015 theme, RECAP, the first thing that comes to my mind is the interesting conflict that lies within the meaning of recapitulating. It can be about briefly restating, yet in another context it can be about giving new form or expression to something. I think the latter is the case for most independent festivals operating in the field of emerging arts and music. To recapitulate often involves not solely reflecting on what happened, but to take these reflections into the current. Reflection rarely becomes fully detached from current tendencies and developments. When reflecting, current events or states often become part of the process.

This also became apparent when I was asked to write something about the time when TodaysArt (an annual festival for contemporary art and emerging culture in The Hague which has just celebrated its 11th anniversary) made it’s 5 year anniversary. This is an interesting vantage point mainly because you’re looking back to a specific moment in time on which we reflected on the five years before that moment. It is inevitable that looking back to this moment now, in 2015, brings forward new connotations and takes in new experiences as well.

For TodaysArt, 2009 was a year of conflict. The theme and the program for the 2009 edition was inspired by the Jungian psychoanalyst M. Esther Harding, who stated that “conflict is the beginning of consciousness”. The theme was not only reflected in the program which consisted of many artists and unique productions from a multitude of genres, but also in the identity of the festival and the city it operates from. For us internally, 2009 was an edition in which we had to scale back our ambitions and dealt with several budget cuts, bringing forth internal conflicts. From the city’s perspective, we thought it was urgent to react to the self proclaimed identity of The Hague as International City of Peace, Justice and Security at a time in which the whole world seemed to be in conflict. We were interested in what would happen if you would introduce conflict in the city. Our designers and artistic team developed a festival campaign which brought to mind at least one simple question: how would people react when they’re exposed to a series of posters and videos portraying bombed and burning urban environments in The Hague, and portraying images of fictional dictators and martyrs in the midst of their city. The theme of conflict became a reality for us, even leading to the imprisonment of our director and interrogations of our team by the anti-terrorism department. The theme was never chosen to initiate conflict, but about simply drawing attention to the subject and posing questions. It turned out the parameters determining what is acceptable and what is not are at best vague, and perhaps questionable. The fact that our campaign was interpreted as a serious threat underlined the necessity for a debate. Eventually the actions even were questioned in local and national politics and the campaign was nominated for a Dutch Design Award.

Looking back further beyond 2009, we’ve realized four editions of which we’re very proud, and which even now still included some of our most successful projects ever realized. I think it can be said that each of these editions couldn’t have taken place if not preceded by the edition the year before.

When working on an annual festival, it makes sense to recapitulate in order to build a consistent storyline. Many decisions concerning new activities drag along previous experiences which can define these decisions to a large extent. However, it’s important to find a right balance between embracing past experiences and letting go of the past completely. For example, reintroducing previously successful elements of the festival in a new edition might work good for the organization, the audiences and/or the artists, but might also very well take away an opportunity to present new elements or to keep experimenting and innovating. For us staging the festival as a living lab remains one of the key elements to deal with the past, current and future. Allowing artists to experiment in front of an audience, working with open invitations for artists to decide what they’d like to present (though still closely communicating with them).

If you want to present what is actually happening at this moment, you have to remain flexible without ignoring either the past or the future. TodaysArt is not a retrospective festival or a festival focused on the future, but we never avoid ideas that deal with historic perspectives and/or future scenario’s.

Many festivals operate retrospectively, TodaysArt (and a lot of other partner festivals) aim to reflect on the present. It’s quite a challenge create a program that is and will remain relevant. And sometimes it indeed doesn’t, but that’s okay. If you would only have retrospective events there wouldn’t be much creation or connections made to actualities and urgent topics, contexts and circumstances.

It’s interesting to see that festivals that operate within very different circumstances, geographical locations and contexts share so many similarities in their approach. Specifically looking at Novas Frequências I deeply respect their efforts, for five years now, to stay dedicated to the development and presentation of experimental and new forms, as it’s not common and certainly not easy to accomplish.