O rádio era escutado antes mesmo de ser inventado.
O rádio era escutado antes mesmo de ser inventado. Era escutado antes que alguém soubesse que ele existia. Era escutado na primeira tecnologia sem fio: o telefone. O telefone serviu a dois grandes propósitos: foi um instrumento científico usado para investigar a energia ambiental, e foi um dispositivo estético usado para experenciar os sons da natureza. O telefone também iria encontrar sucesso no campo das comunicações. A primeira pessoa a ouvir o rádio foi Thomas Watson, assistente do Alexander Graham Bell. Ele o ligou nas primeiras horas da noite em uma longa linha de metal que serviu como uma antena antes mesmo que as antenas fossem inventadas. Outros usuários do telefone escutaram o rádio por duas décadas antes que Guglielmo Marconi ou qualquer outra pessoa o inventasse. Alguns ouviram música e outros escutaram sons que eram de fora desse mundo. Com o passar do tempo, o rádio fugiu para uma região selvagem, um lugar onde a natureza já havia existido um dia, sendo afastada pela tecnologia, um lugar onde a natureza não podia ser encontrada. Cientistas, soldados e generais ouviram o rádio até 1960, quando músicos, artistas e seus públicos redescobriram o rádio. E agora, quando os “sem fios” antigos encontram os “sem fios” novos, muitas pessoas escutam.
Artes Energéticas
A primeira vez que eu encontrei o rádio natural foi enquanto tentava entender composições dos anos 60 do autor americano Alvin Lucier e obras dos anos 90 do artista australiano Joyce Hinterding que, apesar de muito diferentes, tinham o rádio natural como um elemento em comum. O trabalho deles levantou questões específicas, mas também grandes questões que exigiram o repensar da relação entre a cultura e o eletromagnetismo, a história das telecomunicações, a história da música eletrônica e, em última análise, as energias e magnitudes da terra nas artes, abrangendo muitas décadas. A minha tentativa de responder ao trabalho deles começou como um artigo e terminou com esse livro.
(…)
O rádio natural no qual Lucier e Hinterding se engajaram artisticamente na segunda metade do século vinte foi escutado esteticamente por Watson no último quarto do século dezenove. Todos eles foram atraídos a isso pelas suas próprias vocações no som: Watson era um engenheiro de telecomunicações, Lucier um compositor da tradição clássica ocidental, e Hinterding um artista que usa o som. Os três são colocados como indicadores na estrutura desse livro: começando com Watson no último quarto do século dezenove, passando por Lucier nos anos 1960, e terminando com o trabalho recente de Hinterding. Alvin Lucier começou a explorar o eletromagnetismo como um material artístico bruto. Ele não estava sozinho ao sentir que o eletromagnetismo era um material viável para as artes. A música experimental, dada a sua proximidade ao eletrônico e a energia palpável transferida entre som e sinal, foi propícia para o material se tornar imaterial. Essa ideia também podia ser encontrada na arte visual de James Turrel, onde a luz era entendida eletromagneticamente, e na arte conceitual de Robert Barry, que observava a arte visual ocupada por um pequeno remendo (luz visível) do espectro eletromagnético e que o resto do espectro estava aberto para as possibilidades artísticas.
Nos anos 1990, quando Joyce Hinterding começou a se interessar pelo rádio natural, houve desenvolvimentos substanciais do som nas artes, “faça você mesmo” e o hacking de hardware, comunidades amadoras, ciências e as artes, e uma ubiquidade intensificada das comunicações com uma espinha dorsal sem fio. Ela está agora entre um número crescente de artistas, artistas de mídia, e músicos que se movem dentro do espectro eletromagnético e através dos ambientes energéticos tão facilmente tanto quanto essas energias se movem neles.
Apesar da onipresença do eletromagnetismo na natureza, geração elétrica e motores, telecomunicações e mídias eletrônicas, física, e assim por diante, houve muito poucos escritos sobre tais fenômenos nas histórias e nas teorias das artes. Não faz muito tempo que essa mesma condição pertenceu a outra grande energia: o som. Existem similaridades: o jeito como o eletromagnetismo tem recebido atenção entre praticantes na última década se assemelha a forma como praticantes engajaram o “som” nos anos 1980. Na verdade, algumas das mesmas pessoas estão envolvidas.
A exceção à escassez de bolsas de estudo está o trabalho de Linda Henderson “Em Contexto, um tratamento meticuloso da ciência, tecnologia e do oculto nas artes visuais e antiretinais”. O presente esforço pode ser lido como uma extensão do capítulo oito desse livro – “O grande vidro como uma pintura de frequência eletromagnética” – enquanto eu adiciono questões da incursão cultural do eletromagnetismo e sua relação com os meios de comunicação e durante diferentes períodos nas artes e na música.
Alguns dos sons naturais que Watson e outros escutaram no telefone foram percebidos como musicais, especialmente os curtos e deslizantes sons e assobios. De fato, o termo “atmosfera musical: mais tarde se torna comum nos alojamentos científicos, e pesquisadores no inícios dos anos 1930 descreviam atmosferas ao longo de um contínuo musical, quase musical e não musical. Na vanguarda artística e musical, o meio termo foi negociado inicialmente em termos de acomodação de barulho, primeiramente formalizado no manifesto futurista do italiano Luigi Russolo (“Arte dos Ruídos”, de 1913) e ecoou no chamado de John Cage “Por Mais Novos Sons”, de 1942. Durante os anos 1920 e 1930, a ciência do assobio e da vanguarda musical compartilhou tolerâncias parecidas e predileções pela plasticidade do que eram e do que não eram sons musicais; e pode ser dito que Watson também era um ouvinte dos tipos de ruídos e sons estranhos que seriam passíveis para a vanguarda quatro décadas depois.
Trecho de Earth Sound Earth Signal: Energies And Earth Magnitudes In The Arts. 2014. Douglas Kahn. University of California Press.