Por: Arthur Tuoto (Trabalha com vídeo, fotografia e novas mídias)
Se por um lado o minimalismo parte de uma essência musical quase primária, um projeto sonoro que em um primeiro momento pode até soar limitado em seus elementos pontuais e formalistas; por outro, a própria natureza do gênero tem uma qualidade nitidamente expansiva, uma estrutura que, justamente por sua condição universal, está sempre aberta a novas investidas, assumindo-se como uma base sonora de possibilidades infinitas. Um gênero que transita entre a matemática e a mais pura intuição, sempre em prol de um bem comum: a experiência sonora. Essa qualidade experiencial ganha súditos tanto de formação clássica como contemporânea, caminhando livremente entre o erudito e o eletrônico, seguindo uma tradição unificadora que parte de repetições, lentas transformações e da pura harmonia consonante para compor viagens tão complexas como sedutoras.
Os 50 anos de “In C”, de Terry Riley, uma das obras fundadores do gênero, faz de 2014 um ano essencial para a celebração dessa utopia musical. O que começou com os experimentos processuais de La Monte Young, Terry Riley, Steve Reich, entre outros, hoje alcança uma paleta sonora bastante diversificada, ainda que mantendo uma mesma tônica definidora. Nesta edição do Novas Frequências, teremos a oportunidade de presenciar três propostas que, de uma forma ou outra, dialogam com o minimalismo a partir de abordagens bastante particulares entre si. Nada melhor do que testemunhar ao vivo as possibilidades de um gênero que, historicamente, solicita toda uma dimensão performática em sua própria natureza para ser intuido com a reverência que merece.
O Quest, formado pela dupla portuguesa Joana Gama e Luís Fernandes, parte de uma junção de forças que já vem se tornando clássica: a solenidade do piano e a variedade timbral do eletrônico. As manipulações analógicas de Fernandes formam uma base sonora tétrica mas ainda dinâmica, prezando por uma aura sombria, quase fantasmagórica, que encontra nas notas de Gama uma harmonia que vai da melancolia ao delirante em uma afinidade sempre envolvente. Uma força claramente espacial, evidenciando inclusive a experiência dos dois artistas com trabalhos instalativos.
É nesse mesmo jogo de forças entre vocação tradicional e processamento eletrônico que Laraaji constrói seu trabalho. Partindo de instrumentos como a cítara e a auto-harpa, o artista compõe um paralelo místico onde a acústica instrumental é potencializada a níveis etéreos pelo arranjo eletrônico, elaborando viagens transcendentais que tem origem na própria concepção da ambient music. Uma qualidade luminosa, celestial como o próprio gosta de definir, que tem a capacidade de nos levar a transes hipnóticos em que a própria noção do tempo ganha novas dimensões. O homem com o sonho de se tornar comediante stand-up, hoje encontra no riso uma aptidão meditativa e se assume um estudioso das vibrações em prol da saúde da alma.
Conservando uma inclinação fundamentalmente clássica, ainda que subvertendo sua bases tradicionais em prol de novos horizontes, Lubomyr Melnyk compõe epopéias ininterruptas para o piano que evidenciam toda uma fisicalidade performática em sua velocidade e destreza. Diferente da ambient music unificadora e meditativa de Laraaji, Melnyk relocaliza sua narrativa melódica a todo momento, assume uma acentuação rítmica não-linear que nos mantêm sempre atentos em um frenesi sonoro estimulante. Famoso pela velocidade que atinge ao tocar o piano, mantendo uma média sem igual de notas por segundo, o polonês faz da sua “música contínua” a própria imagem da índole performática do minimalismo, um equilíbrio entre foco e presença, uma maratona imprevisível e hipnótica.
Seja pelo embate entre solenidade clássica e ruído analógico do Quest, pela disposição mística de Laraaji ou pela melodia que se reinventa constantemente em Lubomyr Melnyk; podemos afirmar que todas essas virtudes nunca apontam para objetivos claros, não se interessam por pontos de chegada, reiteram a máxima de que o sentido aqui é a experiência em si, a jornada que preza pelo encantamento acima de um significado objetivo. Se 50 anos atrás, Terry Riley lançava mão do cruzamento entre matemática e intuição, controle e improviso, para conceber com seu mítico “In C” a polirritmia como uma das bases geradoras do minimalismo; é com felicidade que celebramos esse fazer musical que se altera constantemente pelo próprio fazer, uma história sonora sempre pronta para ser reescrita.